A Governação dos Áustrias em Portugal. Filipe II e o Tribunal do
Santo Ofício (maldito): Um momento
de graça entre ambos os poderes
«(…) Quanto ao primeiro
aspecto, se não se conhecem conflitos entre o poder real e o inquisitorial
ocorrido durante o curto reinado de rei-cardeal Henrique, também durante as quase
duas décadas em que Filipe II ocupou o trono português, o relacionamento existente
entre o monarca e o Tribunal do Santo Ofício (maldito)
parece não ter sofrido sobressaltos que colocassem em perigo o bom entendimento
entre ambas as instituições. Ainda assim, tirando partido da nova conjuntura
política, houve quem, como Diego de Torquemada, defendesse o princípio de unus rex-una lex, considerando que
se deveria nomear um Inquisidor-geral com atribuições em Portugal e que os inquisidores
de distritos, em Portugal, deviam poder ser castelhanos ou de outras províncias
de Espanha, pondo, assim, em causa o respeito pela independência da Inquisição (maldita) portuguesa face à espanhola. Contudo,
ainda assim, é provável que o Tribunal do Santo Ofício português (maldito) possa ter beneficiado da relação
privilegiada que o representante dos Áustrias,
Filipe II, manteve com a instituição inquisitorial, em geral, possibilitando,
assim, o reforço do seu poder. Porém, a instituição não encontrou espaço para
criar grandes bolsas de autonomia em
relação ao poder régio. Por isso, quando em 1591 os inquisidores de Coimbra pretenderam que fossem outorgados
determinados privilégios aos familiares do Santo Ofício (maldito), o Inquisidor-geral respondeu lembrando-lhes que nessa
matéria se mantinham as determinações do cardeal Henrique, enquanto rei, não
devendo os mesmos ser ampliados.
O único sinal
verdadeiramente significativo de algum possível desentendimento entre o
Tribunal do Santo Ofício (maldito) e o
monarca, viu-o Romero Magalhães no facto de o abandono do cargo de
Inquisidor-geral por parte António Matos Noronha, se poder, eventualmente,
relacionar com a incapacidade demonstrada por este em travar, de forma
efectiva, as diligências levadas a cabo pelos cristãos-novos, desde 1591, com vista à obtenção do perdão
geral, que acabaria por lhes ser concedido em 1605. Apesar da sua ligação próxima a Filipe II, que o levou a tomar
parte activa na grave questão sucessória de 1578-1580, e de ter conseguido fazer com que a autoridade e a
autonomia do Santo Ofício (maldito) crescesse,
através do reforço e aperfeiçoamento das normas processuais, da publicação, em 1597, do Índice romano ou
da garantia de que os assuntos respeitantes aos cristãos-novos fossem
tratados com os deputados do Conselho Geral e não com os governadores do reino,
António Matos Noronha, não conseguiu travar os avanços dos cristãos-novos, preferindo
reassumir o seu lugar de bispo de Elvas.
NOTA: António Matos
Noronha, bispo, foi inquisidor de Toledo e de outras cidades em Espanha e
depois de transferido para Portugal foi nomeado Bispo de Elvas, em Novembro de 1591 e, no ano seguinte, deputado do
Conselho Geral da Inquisição. Passou a exercer, de forma efectiva, o cargo de Inquisidor-geral
em Julho de 1596, embora desde 1593 que o arquiduque Alberto o tivesse
nomeado para o substituir delegando-lhe, em 1595, todos os poderes altura em que o Conselho Geral escreveu a
Filipe II elogiando António Matos Noronha e propondo-o para Inquisidor-geral. A
carreira deste homem é significativa das oportunidades abertas neste período
pela Inquisição (maldita). A sua bem sucedida
carreira burocrática levou-o ao topo do Tribunal. Deixou de exercer a função de
Inquisidor geral, de forma regular, a partir de 1598, ou seja no final do reinado de Filipe II, voltando, então, ao
bispado de Elvas, vindo a falecer em final de 1610. O bispo António Matos
Noronha foi um político activo na grave questão sucessória de 1578-1580,
partidário de Filipe II.
Todavia, este abandono
pode, também, encontrar explicação no facto de, em 1599, Clemente VIII ter despachado um breve em que determinava que
todos os prelados passassem a residir nos seus bispados, encontrando-se os
Inquisidores gerais igualmente abrangidos pela resolução pontifícia, razão pela
qual António Matos Noronha se retirou para Elvas. Pelo mesmo motivo, Pedro
Portocarrero, bispo de Calahorra/Córdova/Cuenca e Inquisidor-geral do reino
vizinho teria abandonado o cargo e partido para o seu bispado. Mas, mesmo se
entendermos a renúncia como um indicador de um mau estar existente entre a
Inquisição (maldita) e o poder régio, durante o reinado de Filipe II essa
relação gozou de alguma estabilidade, tanto em Portugal como no reino vizinho. Por
último, procuremos, então, estabelecer um paralelo entre o comportamento do
poder real no tempo do cardeal-rei Henrique em relação aos cristãos-novos
e aquele que foi protagonizado por Filipe II». In Maria do Carmo Teixeira Pinto,
Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História,
Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
Cortesia de U. Aberta/JDACT