O acaso da descoberta e a riqueza
das pesquisas arqueológicas
«(…) Trata-se de Hirbet
Qumran, mas chegaram também à 3 Q com dois rolos de cobre, e, mais no
interior, exploraram Hirbet Mird, restos de antigo mosteiro bizantino, perto de
Mar Saba, onde descobriram documentos gregos do século VIII depois de
Cristo. Contudo, em Setembro de 1952,
os beduínos, guiados pela história da perdiz, contada por um ancião, fizeram-se
eles também pesquisadores e, ao longo do Wadi Qumran, descobriram as grutas 4,
5, 6 Q. Entretanto, foi criado em 1960
um grupo de estudiosos, que eu conheci no Museu Rockefeller em 1961 (John Allegro pela Universidade
de Manchester, John Strugnel pela de Oxford, os padres João Starky e José Tadeu
Milik por Paris e outros), os quais foram fazendo a decifração e leitura
dos documentos no Museu Palestiniano ou Rockefeller Museum, na zona oriental de
Jerusalém ou Jerusalém Velha.
A Universidade de
Oxford, por meio de Millar Burrows, iniciava a publicação: Discoveries in the Judaean Desert. Todavia, seria longa, difícil
e controversa a leitura dos documentos. Em França, André Dupont-Sommer traduziu
os textos principais e levantou algumas interrogações a esse respeito. Também John
Allegro, um dos especialistas dos textos, embarcou, à luz dos mesmos, na visão
mítica de Jesus, negando a sua historicidade e reduzindo-o uma espécie de
anestesiante cogumelo sagrado (The
sacred Mushroom). De 1955 a 1956, novas escavações,
sempre dirigidas pelo pe. De Vaux, acabaram por pôr a descoberto as 11 grutas de Qumran, sendo as
mais importantes a 1 Q descoberta em 1947, a 4 Q em 1952,
a 11 Q em 1956. Depois de
algumas hesitações e divergências, é ao pe. De Vaux que se deve o sistema em
vigor das siglas para a citação dos documentos de Qumran, apontando o número da
gruta e a inicial de cada documento (1 QS = Serek HaYahad; 1 QM
= Milhamah; 1 Q P = Pesher de Habacuc; 1 QH = Hodayot; f indica fragmento: 1 Q 35f7) ou antepondo a este o M (grutas de Murabba`at), ou
pospondo o P (papiro).
Com a vitória da Guerra dos Seis Dias, que em 1966 levou Israel a tomar a faixa
ocidental do Jordão e toda a zona de Qumran até Eilat ou Aqaba, começou a
levantar-se uma onda de crítica à demora na leitura e publicação dos textos de Qumran, como se
algum intencional atraso ou discreto secretismo favorecido pela Igreja Católica
acerca das origens cristãs, quisesse encobrir a verdade dos documentos. Ao
mesmo tempo, a comissão internacional tinha os seus membros a envelhecer, com
Strugnel diminuído e convertido do Anglicanismo ao Cristianismo, mesmo contando
com o dinamismo do epigrafista Emílio Puech do CNRS, o que favoreceu
ainda mais a campanha que eu acompanhei pela revista Biblical Archaeology Review. Era preciso apressar a leitura
dos textos e completa publicação dos manuscritos e é esse desafio que os cientistas
ficam a dever à Universidade Brigham Young pelo seu acordo com o governo
de Israel em 1983 e pelo denodo com
que se atirou à tarefa, ajudada por Emmnuel Tov. Com muito trabalho, imenso
esforço e paciência mais que beneditina, foi possível termos hoje a edição
completa em 6 volumes dos Discoveries
in the Judaean Desert pela E. J. Brill de Leiden. Os textos estão todos
publicados, abertos aos estudiosos de qualquer religião, e desapareceu a
maldosa tentativa de soupçon. Há
manuscritos dispersos por várias instituições, mas os dois depósitos principais
são o belíssimo Santuário do Livro,
cuja silhueta decalca a típica tampa das jarras de Qumran junto ao Museu de
Israel em Jerusalém e o Rockefeller Museum.
A singular importância dos documentos
Os conhecimentos arqueológicos e a análise do Carbono
14 permitiram uma datação bastante precisa para todo aquele valioso e
extraordinário achado. Em termos de manuscritos hebraicos da Bíblia, dava-se um
enorme salto qualitativo que permitia passar do século X da nossa era cristã
para o século II antes de Cristo. Por seu lado, a descoberta de moedas,
sobretudo na zona do Hirbet Qumran, sem que nenhuma se descobrisse nas
grutas, permitiu uma datação muito aproximada dos factos, que se escalonam de
cerca 152 a.C, até 135 d.C.. Na verdade, podemos
apresentar do seguinte modo, os manuscritos em suporte de papiro, pergaminho e
cobre e que conhecemos nas línguas hebraica, aramaica e grega». In
Geraldo Coelho Dias, Judaísmo, Os Manuscritos de Qumrah e a Comunidade Judaica
do Mar Morto. Texto inédito. Conferência no Museu dos Transportes e
Comunicações. Porto. Maio de 2005.
Cortesia de MTC do Porto/JDACT