Contra a Falsa Mobilidade
«(…) A fatalização do tempo traduz-se na exigência de
aumento da aceleração, da mobilidade, da velocidade e da flexibilidade. É o que
diariamente vemos na linguagem das novas elites
ultramóveis transnacionais que nos exortam a mexer-nos, a acelerar o nosso
movimento, a consumir mais, a comunicar mais rapidamente e a efectuar intercâmbios
com optimização do rendimento. Realizou-se uma transferência semântica que
poderia explicar muitas deslocações ideológicas da esquerda para a direita:
onde havia progresso e revolução há agora movimento e competitividade. O
adjectivo revolucionário, faz parte
do vocabulário transversal da moda, do management,
da publicidade e da pós-política mediática. O fantasma da revolução permanente
passeia-se agora como caricatura neoliberal. No fundo, porém, o actual imaginário
político tem um discurso prescritivo minimalista, conceptualmente muito pobre:
o discurso da adaptação ao suposto movimento do mundo, o imperativo de cada um
se mover com tudo quanto se move, sem discussão, interrogação ou protesto. Teríamos
então um novo paradoxo: as sociedades podem tombar nas mãos do destino ou da
imobilidade justamente nos momentos de maior aceleração, que era precisamente o
que os processos de modernização pretendiam evitar.
Nesse caso, talvez tenha razão Fredric Jameson ao assegurar
que se dissolveu a antinomia mudança-estagnação. O que pode estar a acontecer é
que, em muitos aspectos da vida das sociedades e do mundo em geral, o movimento
seja superficial e que no fundo apenas haja uma paralisia radical, um
pseudomovimento. Paul Virilio formulou esta ideia no seu conceito de paralisação veloz ou aceleração
improdutiva, uma agitação sem reais consequências, se bem que não desprovida de
graves efeitos nos seres humanos e na coesão das sociedades. Seja como for,
esta ideia corresponde à experiência pessoal de que a maior agitação é
perfeitamente compatível com uma imobilidade temporal; é possível estar-se
paralisado no movimento, ir a toda a velocidade sem nada fazer, mover-se sem se
deslocar e ser até um desocupado grande trabalhador. Para executar um movimento
real não basta acelerar, do mesmo modo que a transgressão não é necessariamente
criadora e que a mudança nem sempre é inovadora.
Neste panorama, as soluções mais emancipadoras não procedem nem
da desaceleração nem da fuga para diante, mas da luta contra a falsa
mobilidade. É claro que a lentidão compensatória, tão celebrada em muitos
livros de auto-ajuda para a gestão do tempo, pode ser uma estratégia racional.
No entanto, gostaria de salientar que o ganho de tempo é uma exigência antropológica
fundamental e que, no fundo, as desacelerações fazem parte de uma estratégia
geral de aceleração, e poderíamos então falar de desacelerações aceleratórias. O devagar, que tenho pressa
não é formulado para perder tempo, mas para o ganhar. Tanto no plano individual
como no das organizações, este tipo de argúcia serve para não provocar as
perdas de tempo que resultam das acelerações disfuncionais. Também por vezes
são introduzidas moratórias no intuito de resolver um problema pontual que,
precisamente, estorvava a dinâmica normal.
Se atendermos às circunstâncias políticas, económicas,
sociais e culturais em que vivemos, o apelo à desaceleração, como princípio geral,
é pouco realista e pouco atraente. Não tem qualquer sentido querer calculadoras
mais lentas, maiores filas de espera ou transportes atrasados. A questão
central está em determinar em que consiste exactamente um ganho de tempo em
cada actividade e em cada momento, o que umas vezes implicará desaceleração e
outras o contrário, mas que também pode ser conseguido por outros processos,
como a reflexão, a antevisão ou o combate à falsa mobilidade. A minha proposta
conclusiva seria, portanto, uma defesa do ganho de tempo, mas não aumentando a
aceleração sem mais nem menos, antes combatendo metodicamente a falsa
mobilidade. A reflexão estratégica, a perspectiva de enquadramento do instante
num campo temporal mais amplo ou a protecção do verdadeiramente urgente são, em
última análise, processos destinados a ganhar tempo. Schumpeter fazia a este
respeito uma observação que pode vir a propósito. Tomando como exemplo o facto
de que os veículos munidos de travão correm com maior velocidade precisamente porque
o têm, já nos advertia para a possibilidade de o intuito de eliminar todas as
barreiras da aceleração, o desenfreamento do mercado total, nos conduzir justamente ao oposto: à desaceleração económica
em termos de recessão e depressão». In Daniel
Innerarity, El Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos,
Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.
Cortesia de Teorema/JDACT