quinta-feira, 19 de junho de 2014

Política, História e Cidadania. Jaime Cortesão. Elisa Neves Travessa « Se a Renascença nasceu de um sonho, esse sonho é como o caos, donde nascem os mundos. Não há grande poeta, herói, santo, legislador, cujos poemas, virtudes ou acções não houvessem surgido de um sonho»

jdact

Renascença Portuguesa e a Guerra. O projecto cultural da Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime Cortesão. Profeta dessa ideia
«(…) Nas palavras que dirige a Raul Proença traça as linhas gerais do seu projecto, embora sem acentuar o espiritualismo que privilegiou na carta ao poeta da Saudade, que passava pela formação de uma Associação com o fim principal de exercer a sua acção, isenta de facciosismos políticos dentro da actual sociedade. Acção social orientadora e educativa (...). Transparece destas palavras a ideia de uma pedagogia cívica e uma exigência moral e ética que pudesse revigorar as forças da fragilizada e tão idealizada República, que definhava em lutas político-partidárias e na instabilidade social. Reencontramos aqui a perspectiva, mais tarde confirmada nas palavras de Pascoaes, de que a consciência do momento genésico e caótico da Pátria, exigia a congregação das energias intelectuais e a consumação do sonho que inundava o espírito do Poeta. A institucionalização desta associação de intervenção educativa, cívica e cultural não determinaria, por si só, a eliminação das dissenções políticas e da instabilidade social que afectavam a nação, daí que os espíritos que se congregavam em torno da Renascença, procurassem agir no âmbito cultural, incentivados pelo imperativo ético de devolver à nação a grandeza heróica do passado. A intenção não era a de criar um simples movimento literário, o objectivo pragmático de intervenção na sociedade era primordial e determinava a concepção do programa de acção educativa e cívica implícito ao projecto, ainda que idealisticamente concebido.
Encontramos este ideal. pela primeira vez formalizado, numa carta de Cortesão a Álvaro Pinto, ao tempo director da revista A Águia. Lança a ideia de formar em Portugal uma espécie de Maçonaria dos Artistas e intelectuais, referência interessante e que denuncia, em parte, a filiação maçónica do republicanismo português e a proximidade de alguns sectores intelectuais às suas propostas. Com o fim de dar uma direcção nova à sociedade portuguesa esta associação, de aspecto um pouco secreto, de cariz sindical, deveria ter um órgão, uma publicação periódica que divulgasse as ideias defendidas e as iniciativas promovidas pela associação. Lamentando-se da possível extinção da revista A Águia, sugere que esta poderia assumir esse lugar, desde que renovada, conferindo-lhe um carácter mais educativo e crítico, de modo a tomar uma feição orientadora.
Um primeiro testemunho de Cortesão, sobre a génese do movimento, regista-se nas páginas da revista A Vida Portuguesa, periódico que dirigiu, e que dá continuidade ao projecto da Renascença, fundamentalmente na sua vertente educativa. Refere-se, nessas linhas, à reunião preparatória ocorrida em Coimbra, a 27 de Agosto de 1911, em que participou Teixeira de Pascoaes, encarregado de redigir um manifesto Ao Povo Português. Nas palavras de Cortesão, relembrando o encontro, entrevemos a perspectivação de um sonho, um projecto que contém latente um certo optimismo e idealismo messiânico: a consciência da elevada e superior missão, de educação e orientação da sociedade, atribuída aos intelectuais. Um apelo ao heroísmo e à renúncia quotidiana para a prática de um franciscanismo civil, no sentido duma superação e transcendência espiritual da vida, alargada a toda a humanidade. Se a Renascença nasceu de um sonho, esse sonho é como o caos, donde nascem os mundos. Não há grande poeta, herói, santo, legislador, cujos poemas, virtudes ou acções não houvessem surgido de um sonho. Continua num tom simbólico, eivado dum paganismo espiritualista que Leonardo Coimbra vislumbrou na sua poesia: Não mais poderei esquecer aquela tarde de sonho, em que numa paisagem de Campos Elísios, sonhada e diluída, nasceu no coração de um grupo de moços a Renascença Portuguesa. Foi no choupal de Coimbra; e nessa tarde de tanto sonhar, tão ardentemente imaginosa, nada sonhámos que igualasse sequer em grandeza a realidade presente. As suas palavras impregnadas de idealismo místico, de sonho, de esperança, atingem expressão elevada numa oração ou prece à Terra-Mãe: ...eu pedirei à Terra de Portugal, à paisagem divina, às boas árvores que nos viram nascer esse sonho, que nos deixem eternamente sonhar assim. O sonho que germinou no espírito do Poeta foi divulgado, pela sua pena, junto daqueles que com ele já tinham participado noutros combates. As referências que fizemos à correspondência trocada com Teixeira de Pascoaes, Raul Proença e Álvaro Pinto, consubstanciam o papel proeminente desempenhado por Cortesão na idealização e concretização deste projecto». In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, ASA Editores, Setembro de 2004, ISBN 972-41-4002-4, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006.

Cortesia de Edições ASA/JDACT