A Cidade Medieval
«(…) Cidade rica,
integrada na província da Lusitânia, Olisipo
beneficiava do Tejo, ancoradouro comercial importante. As águas do rio enchiam
ainda parte do vale largo da Baixa, e tinham braços por Valverde e pelo vale da
Mouraria, até Arroios, separados pela colina de Sant’Ana, recolhendo águas das
encostas, em cursos que o tempo diminuiria, por razões naturais ou provocadas. A
vida da cidade foi abalada pelas primeiras invasões bárbaras na Península, e
tomada pelos Alanos cerca de 410.
Outros povos sucederam a este, e os Visigodos chegaram a Olisipo nove anos depois, mas mantiveram ao longo dos séculos V e
VI lutas de variado sucesso com os Suevos até ao resultado final favorável, em 585, ano anterior à conversão do rei
Recaredo ao cristianismo, facto que teve natural reflexo na arquitectura da
cidade, podendo supor-se que então os restos do templo ou basílica romana tiveram
adaptação funcional ao novo culto.
Mas, nestes quase dois
séculos de guerras e depredações, que um terramoto, em 472, terá acentuado, muito da urbe
romana desapareceu, com a sua civilização imperial. E os restos dela foram empregues
como material agora detectado em fortificações que rodearam as áreas habitadas,
protegendo-as das surpresas dos inimigos. Assim, muito provavelmente, nasceu a cerca velha, ou cerca moura, designação que proveio do domínio seguinte. Com
efeito, em 719, os Mouros invasores
da Península tomaram Olisipone vindo
a deturpar-lhe o nome em Achbuna, ou
Lixbuna, no falar local, veículo de
vários estratos rácicos que ao longo dos séculos, e com predomínio último de
romanos e de visigodos, se sedimentaram no sítio urbano. A tolerância de uns e
de outros, quando em tempo de paz e labor, também se verificou no novo domínio,
o qual, por seu lado, sofreu também lutas internas que arrastaram prejuízos de
bens e arquitectura.
Esta processou-se em
relação à mesquita que fora templo cristão e já romano, como se supõe, e deu certamente
palácios conformes à riqueza do sítio marítimo e agrícola. Dentro da cerca e
fora dela, em vasta extensão, uma população já computada (decerto exageradamente)
em 150 mil pessoas dedicava-se ao comércio e à agricultura, em hortas ou
almoinhas limítrofes, com casas que
se multiplicavam em ruelas estreitas e becos, ou se dispersavam pelos férteis
vales vizinhos. No interior da alcáçova, o palácio do alcaide e uma mesquita
sobrepujavam a cidade cuja descrição exterior, pelo cruzado Osberno, a
seguir a 1147, nos diz que na crista do monte redondo erguia-se a fortaleza
de onde, pela direita e pela esquerda, desciam dois braços de muralha,
gradualmente, pelo declive do morro até à orla do Tejo, e ao longo desta orla
outro muro as reunia. Com efeito, depois de outras ocupações cristãs,
já talvez no fim do século VIII, em meados do X e em fins do XI, o primeiro rei
português, após uma tentativa infrutífera em 1140, tomou a cidade em 25
de Outubro de 1147, em quatro
meses de assédio, com ajuda de cruzados flamengos, coloneses e ingleses que demandavam
a Terra Santa e se detiveram no caminho para esta empresa de reconquista.
Medidas seguintes à tomada, com purificação da mesquita assim restituída ao
culto cristão que já tivera (e era garantido, provavelmente, por um bispo
mencionado na crónica do cerco e por paróquias que tinham subsistido e subsistiriam)
e fundação de duas igrejas paroquiais, S. Vicente e dos Santos Mártires, nos
sítios dos cemitérios de cruzados flamengos e ingleses, completaram-se com o
início da reconstrução da Sé, na traça românica que perdura.
Com estes actos, e com o
foral concedido em Maio de 1179, Afonso
Henriques marcou a sua autoridade numa cidade preciosa para a expansão do seu
reino, futura capital dele (1256), quando totalmente definido no
tempo de Afonso III. Por enquanto, a Lixbuna
conquistada delimitava-se pelas muralhas antigas, entre o castelo e o rio, numa
área de 15 hectares e meio, com as suas sete freguesias. Outras, extramuros,
iriam em breve cobrir os dois arrabaldes, a nascente (Alfama) e a poente (Baixa),
num total de quatro mais cinco». In José Augusto França, Lisboa. Urbanismo e
Arquitectura, Director da Publicação Álvaro
Salema, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Livraria
Bertrand, série Artes Visuais, Instituto Camões, 1980.
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