«… Evoca hoje este Instituto de Coimbra Amélia Janny, uma curiosa
figura de Mulher e de Poesia do puro romantismo coimbrão, que em Coimbra
nasceu, em Coimbra viveu sempre em vida, que não foi curta, a sentir, a
escrever e a declamar seus versos, inspirada no seu encanto e no seu culto. Será
mais uma Hora de Justiça que
chega e ao Instituto se deve, como, nos mais próximos tempos, as horas de
Eugénio de Castro e de Mestre Gonçalves. Uma hora de justiça e também uma hora
de reparação. Há muito se esbatera, ou quae apagara, na memória, tão frágil e
incerta, desta terra, o nome que ela tantas, tantas vezes aclamara em festas de
caridade, em comemorações cívicas, em ruidosas manifestações académicas, como o
tricentenário de Camões, nos folguedos alegres do seu povo.
Depressa esqueceram os seus versos, que por aí se cantavam e sabiam de
cor e se aprendiam sem esforço porque eram límpidos, de clara expressão,
espontâneos, brotando, quase sempre, de uma impressão rápida, mas incisiva. Dela
bem poderá dizer-se, ajeitando-lhe o pensamento do mal-aventurado Chénier, l’art ne fait que des vers, le coeur seu est
poète, que a arte desses versos
lhe vinha do coração, porque antes de tudo, os sentia. O culto da sua
bondade, que aqui floresceu a par com o seu talento, esse mais depressa se
amortece, ou quase extingue… Mas Coimbra é assim, como algumas mulheres
caprichosas, inconstantes, ingratas no rumo ou no querer de seus próprios
amores…
Ora se apaixona ou delira em entusiasmo excessivo e pródigo, nem sempre
justo e medido, ora se esquiva, repudia até os que mais e melhor lhe querem… Regozijemo-nos,
porém. Se o primeiro centenário do nascimento de Amélia Janny passou quase
em injusto e doloroso silêncio, aqui nos reunimos hoje para avivar a sua
memória, atenuando assim, ao mesmo tempo, mais uma culpa de ingratidão… E se,
nesta casa, se mantém o pensamento inicial da lei dos nossos Estatutos, no
regimento da sua vida científica e associativa, seja esta uma oportunidade para
relembrar que, na sua tradição, viveu sempre o justiceiro preito aos que hajam
merecido no cultivo das ciências, das belas letras e das artes exaltando seus
méritos ou seus serviços. Não se quebrou, felizmente, a tradição.
E ainda bem que a figura de Amélia
vai como que ressurgir nesta sala, tal como ela foi, como a viu Teixeira de
Pascoaes, alta e magra, duma leveza aérea
no andar, que a desligava do solo empredado e lhe diluia a velhice no sorriso
perpétuo dos seus lábios (O Penitente). Assim vi eu ainda essa
Senhora, na sua feminilidade encantadora, passar por essas ruas saudada com
carinhoso respeito, com o prestígio do seu talento poético e da sua bondade,
com a admiração por tudo quanto a tornou singular em Coimbra. Na verdade, Amélia não foi só a poetisa de tão
inspirados versos, que primorosamente declamava, numa voz doce e clara, nem
aquela delicada e cativante figura que, à sua volta e com largueza, soube
espalhar o bem com simplicidade e com modéstia. Não; não foi só isso. Aquela sua
casa, pequenina e acolhedora, da Couraça de Lisboa, tão cheia sempre da
luz incomparável do sol de Coimbra, sobre o vale alegre do Mondego, a cujos
sortilégios e encantos a poetisa se manteve sempre fiel, foi, por muitos anos,
apetecido e obrigado lugar de reunião das mais proeminentes e festejadas e
marcantes figuras da Coimbra das últimas décadas do século passado e dos
primeiros anos do actual». In Costa Rodrigues, O Instituto, Universidade
de Coimbra, Revista Científica e Literária, Coimbra Editora Limitada, volume
114, Coimbra, 1950.
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