quinta-feira, 5 de junho de 2014

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «O papa estava seriamente resolvido a colocar Portugal sob a jurisdição eclesiástica do metropolita castelhano. Que ele, após nova queixa do toletano, tenha confirmado a 19 de Janeiro de 1156 a sentença de suspensão de João Peculiar, é evidente»

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A luta contra o primado de Toledo
«(…) Entre eles e o altar, eram os lugares dos numerosos bispos presentes, abades e outros clérigos; quem tomava a palavra, tinha de se levantar. O arcebispo de Compostela havia trazido a maior parte do seu cabido e mandou apresentar logo no primeiro dos três dias do concílio por intermédio de dois dos seus cónegos, Pedro Gozales e o prior de Sar, as suas queixas contra Braga. A contestar ergueram-se o deão do cabido da sé bracarense Pedro Martins e o bispo Mendo de Lamego, para defenderem o arcebispo de Braga; desculparam-no com doença. O prior de Sar repeliu a desculpa por mentirosa: João Peculiar estava de saúde e perto, e, quando o bispo Mendo contestou isso, começaram a altercar. O rei Afonso VII perdeu a paciência e fez ouvir palavras ásperas ao cardeal, em grande excitação, lembrando-lhe os seus deveres para com a Igreja castelhana. Jacinto viu desta maneira desfazer-se toda a sua política de mediação. Por fim teve de ceder à imposição do rei e de suspender o arcebispo por ausência pertinaz, ordenando aos três bispos de Coimbra, Viseu e Lamego que entretanto obedecessem ao arcebispo de Santiago.
Na narração que possuímos não se refere nada de que se possa deduzir ter-se falado sequer da questão do primado em Valladolid. No entanto, não reste dúvida de que precisamente este ponto, mais ainda do que a discussão com Santiago, constituiu o âmago da oposição. Assim o refere também o cardeal Jacinto num diploma que posteriormente passou em Nájera a 3 de Março de 1155 e no qual confirma ao arcebispo de Toledo que suspendeu o arcebispo de Braga por não ter comparecido em Valladolid, e que mantém esta suspensão até que ele se sujeite ao primaz do Toledo, de harmonia com a ordem do papa, e dê satisfações da sua desobediência. Dificilmente nos enganaremos também, se virmos no fundo da questão uma luta entre os reis. Assim como do lado de Castela Afonso VII era quem verdadeiramente lutava pela primazia de Toledo, assim também deve ter o arcebispo de Braga procedido segundo as instruções do seu rei nas coisas essenciais. Desta opinião também era claramente Adriano IV que entretanto tinha sido eleito papa após a morte de Anastácio IV. A ele foi apresentada, poucos meses após o concílio de Valladolid, nova questão litigiosa, mas desta vez meramente portuguese. O bispo João de Coimbra havia sido deposto por um sínodo diocesano sob a direcção do arcebispo de Braga e dirigiu-se seguidamente ao papa. O seu protesto, que temos presente, deixa ver que o rei de Portugal não era estranho ao conflito, mas dirige-se contudo só contra o arcebispo João Peculiar. Adriano IV ignorou então a existência do suspenso arcebispo de Braga e ordenou directamente ao rei de Portugal a reintegração do bispo. Ao mesmo tempo, expedia um breve a 10 de Junho de 1155 ao arcebispo de Toledo e ordenava-lhe que, no caso de o rei desobedecer, e sendo necessário, interdissesse todo o território português. O papa estava pois seriamente resolvido a colocar Portugal sob a jurisdição eclesiástica do metropolita castelhano e não receava levar a oposição até ao extremo. Que ele, portanto, após nova queixa do toletano, tenha confirmado a 19 de Janeiro de 1156 a sentença de suspensão de João Peculiar, é evidente». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT