A luta contra o primado de Toledo
«(…) Entre eles e o altar, eram os lugares dos numerosos
bispos presentes, abades e outros clérigos; quem tomava a palavra, tinha de se
levantar. O arcebispo de Compostela havia trazido a maior parte do seu cabido e
mandou apresentar logo no primeiro dos três dias do concílio por intermédio de
dois dos seus cónegos, Pedro Gozales e o prior de Sar, as suas queixas contra
Braga. A contestar ergueram-se o deão do cabido da sé bracarense Pedro Martins
e o bispo Mendo de Lamego, para defenderem o arcebispo de Braga; desculparam-no
com doença. O prior de Sar repeliu a desculpa por mentirosa: João
Peculiar estava de saúde e perto, e, quando o bispo Mendo contestou
isso, começaram a altercar. O rei Afonso VII perdeu a paciência e fez ouvir
palavras ásperas ao cardeal, em grande excitação, lembrando-lhe os seus deveres
para com a Igreja castelhana. Jacinto viu desta maneira desfazer-se toda a sua
política de mediação. Por fim teve de ceder à imposição do rei e de suspender o
arcebispo por ausência pertinaz, ordenando aos três bispos de Coimbra, Viseu e
Lamego que entretanto obedecessem ao arcebispo de Santiago.
Na narração que possuímos não se refere nada de que se possa
deduzir ter-se falado sequer da questão do primado em Valladolid. No entanto,
não reste dúvida de que precisamente este ponto, mais ainda do que a discussão
com Santiago, constituiu o âmago da oposição. Assim o refere também o cardeal Jacinto
num diploma que posteriormente passou em Nájera a 3 de Março de 1155 e no qual confirma ao arcebispo de
Toledo que suspendeu o arcebispo de Braga por não ter comparecido em
Valladolid, e que mantém esta suspensão até que ele se sujeite ao primaz do Toledo,
de harmonia com a ordem do papa, e dê satisfações da sua desobediência. Dificilmente
nos enganaremos também, se virmos no fundo da questão uma luta entre os reis. Assim
como do lado de Castela Afonso VII era quem verdadeiramente lutava pela
primazia de Toledo, assim também deve ter o arcebispo de Braga procedido segundo
as instruções do seu rei nas coisas essenciais. Desta opinião também era claramente
Adriano IV que entretanto tinha sido eleito papa após a morte de
Anastácio IV. A ele foi apresentada, poucos meses após o concílio de
Valladolid, nova questão litigiosa, mas desta vez meramente portuguese. O bispo
João de Coimbra havia sido deposto por um sínodo diocesano sob a
direcção do arcebispo de Braga e dirigiu-se seguidamente ao papa. O seu protesto,
que temos presente, deixa ver que o rei de Portugal não era estranho ao
conflito, mas dirige-se contudo só contra o arcebispo João Peculiar. Adriano
IV ignorou então a existência do suspenso arcebispo de Braga e ordenou
directamente ao rei de Portugal a reintegração do bispo. Ao mesmo tempo,
expedia um breve a 10 de Junho de 1155
ao arcebispo de Toledo e ordenava-lhe que, no caso de o rei desobedecer, e
sendo necessário, interdissesse todo o território português. O papa estava
pois seriamente resolvido a colocar Portugal sob a jurisdição eclesiástica do
metropolita castelhano e não receava levar a oposição até ao extremo. Que
ele, portanto, após nova queixa do toletano, tenha confirmado a 19 de
Janeiro de 1156 a sentença de suspensão
de João Peculiar, é evidente». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no
primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto
Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.
Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT