Renascença Portuguesa
e a Guerra. O projecto cultural da Renascença
Portuguesa. O contributo de Jaime Cortesão. Profeta dessa ideia
«(…) Já referimos que a Renascença, sonhada pelo Poeta d’A Morte da Águia, não representa
uma ruptura com as suas convicções, antes revela uma persistência no combate
cívico, sempre enquadrado por uma clara consciência histórica. Relembremos as
iniciativas que congregaram muitos dos iniciadores da Renascença em projectos
similares, como sejam: a revista Nova
Silva (1907) e o grupo de acção pedagógica dos Amigos do ABC. Marcados
pelo idealismo e pelos ideais anarquistas, libertários e altruístas com
influências doutrinárias de Kropotkine, Tolstoi, Ferrer i Guardia, Victor Hugo,
entre outros, e do socialismo proudhoniano, propagandeado por Antero de Quental,
numa vertente que acentuava a justiça, o pacifismo, a solidariedade e a
fraternidade. Filiavam-se também no republicanismo, embora se distanciassem
da vertente marcadamente positivista presente, fundamentalmente, em Teófilo
Braga. Um escol de intelectuais ecléctico que certamente recebeu a influência de
outros pensadores do século XIX, como do poeta Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno,
ensaísta e doutrinador idealista portuense, e Basílio Teles.
Lembremos, por exemplo, que a efémera Liga Patriótica do
Norte (Fevereiro de 1890), curiosamente também criada no
Porto, presidida pela alma idealista de
Antero, apresenta objectivos com algumas semelhanças, a nível dos
propósitos do projecto reformador, com os da Renascença Portuguesa. Criada apos
a humilhação patriótica produzida pelo Ultimato britânico (1890), a referida Liga
tinha como princípio agir fora da acção
dos partidos e ser um órgão da
opinião pública, pugnando por reformas económicas, sociais e administrativas,
pela moralização dos poderes, actuando como uma força moral. Uma reforma
que deveria, para ser concreta e fecunda, partir do interior, do mais fundo da
alma colectiva, ou seja, que empreendesse uma reforma moral e ética das
consciências e das almas. Era a consciência dos momentos críticos vivenciados
que exigia atitudes veementes que revigorassem o patriotismo humilhado.
Lembramos e registamos o paralelismo com os objectivos que delinearam a
formação da Renascença e a atitude desta em momentos cruciais de exaltação
patriótica. Referimo-nos especificamente à propaganda pela intervenção de
Portugal na Grande Guerra, em que o movimento assumiu papel proeminente. De
salientar que a Renascença Portuguesa constitui-se como um movimento intelectual
a que não é alheia uma feição nacionalista e patriótica mais predominante no
saudosismo de Pascoaes. Animava-os o sentido de uma revivescência da alma lusitana
que pudesse responder, como Cortesão
mais tarde explicava, à necessidade, sentida
por todos, de dar um conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana.
A nova geração que então surgia
tinha como objectivo revelar, definir e
enaltecer a consciência nacional e filiava-se nas correntes de pensamento
do século XIX. A ideia de dar à Pátria a unidade
dum pensamento colectivo, e rejuvenescê-la com o ar da vida europeia, teve origem
no movimento do romantismo liberal, na história e pela arte, de que Herculano e
Garrett eram os mais dignos representantes. Desde aí até à contemporaneidade de
Cortesão foi percorrido um longo
caminho que passou pela apresentação de novas soluções políticas contra a ameaça
do constitucionalismo monárquico. Foi encetado um movimento de regeneração que
embora hesitante não deixou de produzir bons frutos. Cortesão lembra Junqueiro, voz
profética e arrebatada pela esperança depositada na Pátria; Ramalho, que
nas Farpas despertara a necessidade
de valorizar o património artístico; Teófilo Braga, que, não obstante o seu
cego positivismo, enalteceu na literatura, na historia e nas tradições
populares a alma nacional; João de Deus e António Nobre, que deram voz ao lirismo
lusitano; e Oliveira Martins, que, embora levado por um doentio e negro pessimismo, teve o mérito
de revelar a degradação a que chegara a nacionalidade portuguesa. Toda
esta herança é reclamada por Cortesão
quando formaliza o projecto da Renascença: havia que dar continuidade a esse
movimento e retemperar as forças, abandonando a descrença e o pessimismo,
optando por um caminho progressivamente reformista». In Elisa Neves
Travessa, Jaime Cortesão, ASA Editores, Setembro de 2004, ISBN 972-41-4002-4,
obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006.
Cortesia de Edições ASA/JDACT