A Governação dos Áustrias em Portugal. Filipe II e o Tribunal do
Santo Ofício (maldito): Um momento
de graça entre ambos os poderes
«(…) Quando, em 1578, o cardeal Henrique assumiu o
governo do reino, após o desaparecimento de Sebastião I em terras marroquinas,
procurou reverter o quadro sócio-económico e político herdado de seu sobrinho
neto. Nesse âmbito, o debate a que então se assistiu veio evidenciar uma
ruptura com a política anteriormente seguida, que não deixou também de se
reflectir no posicionamento do velho monarca em relação aos cristãos-novos.
Assim, enquanto o poder real visava, por um lado, fortalecer o poder
inquisitorial, por outro, apertava o cerco aos cristãos-novos. Logo no ano
seguinte à sua aclamação como rei, o monarca empenhou-se em conseguir a anulação
do referido contrato firmado entre o seu sobrinho neto e a gente de nação,
por o considerar lesivo da religião e da virtude e por criar condições para a
propagação dos vícios e dos pecados, apesar de o mesmo ter tido a anuência
papal e o seu prazo não ter ainda expirado. Para tal, em 27 de Julho de 1579, escreveu o cardeal-rei ao seu embaixador
em Roma, João Gomes Silva, e incumbiu-o de solicitar a Gregório XIII a
revogação dos breves que expedira, a pedido de Sebastião I, autorizando aquele
monarca a aceitar dos cristãos-novos o donativo de 240 mil cruzados para
as despesas da expedição a África com a condição de não serem confiscados os
seus bens por um período de dez anos. Para facilitar a resolução do papa,
comprometia-se a ressarcir o dinheiro que os cristãos-novos tinham dado
ao rei Sebastião, eu sou contente e estou
prestes para lho mandar satisfazer. O papa atendeu à solicitação publicando
um breve, em 6 de Outubro de 1579.
Pouco antes de falecer, o cardeal-rei Henrique anulou, definitivamente, o
contrato que seu sobrinho neto tinha estabelecido com os cristãos-novos,
decisão que mereceu o apoio incondicional não apenas dos inquisidores portugueses,
mas também castelhanos.
NOTA: Queiroz Velloso
considerou que o tempo que mediou entre a subida do cardeal ao poder e a
expedição do ofício ao embaixador só se explica por lhe faltar a importância à
restituição. A verdade é que nem antes nem após a publicação do diploma, que
restabeleceu os confiscos, o cardeal-rei Henrique restituiu o dinheiro aos cristãos-novos.
A ideia de que se deveu à escassez de tempo a oportunidade para devolver o
dinheiro não tem grandes hipóteses de ser aceite por que teve tempo para
revogar a outra concessão que o rei Sebastião fizera e que os autorizava a sair
do reino e a vender os seus bens.
A intolerância para com
a gente de nação, que marcou os momentos em que o cardeal-infante
Henrique governou o reino português, dificilmente pode ser relacionada com
conjunturas económicas mais ou menos favoráveis. Na realidade, durante a
regência do cardeal-infante assistiu-se a um período de alguma estabilidade
económica. A atitude de intolerância para com a gente de nação,
apesar das pressões que foram exercidas em sentido oposto, culminou na decisão
tomada pelo regente, em 1563, de
cinco anos antes de terminar o prazo relativamente à isenção do confisco de bens
dos cristãos-novos que fora concedido por D. Catarina, ter revogado a decisão
da anterior regente. Porém, quando durante o seu curtíssimo reinado, às
principais preocupações, o resgate dos
cativos e a sucessão do trono, que abriu um período de intensa luta política
marcado pelas rivalidades entre aqueles que se perfilavam como possíveis
sucessores do cardeal, se juntaram os problemas resultantes de uma situação
económico-financeira difícil, a par da peste e da fome decorrentes de anos consecutivos
de más colheitas, nem assim, o velho monarca revelou um comportamento mais
brando em relação aos cristãos-novos.
O posicionamento de
cardeal-rei Henrique em relação aos conversos pautou-se sempre por esta
intransigência, mesmo antes de ter assumido a governação do reino, entre 1562-1568,
ou mais tarde, após a morte de Sebastião, como rei. Em Setembro de 1562, pouco tempo antes de assumir a
regência, no momento em que cristãos-novos procuravam obter junto de Pio IV um
novo perdão, o Inquisidor-geral escrevia a António Pinto insistindo com ele
para envidasse todos os esforços no sentido de travar o processo, pois um
indulto impediria o tribunal de exercer a justiça, a qual se revelava
imprescindível em tempos tam perigosos
e de tantas heresias. Em carta dirigida ao cardeal-rei Henrique, datada
de Outubro de 1562, António Martins,
agente do cardeal, a propósito do referido assunto chamou a atenção que o
cardeal-infante devia assegurar que a Inquisição (maldita)
tivesse para com os cristãos-novos uma atitude
mais humana, criando, assim, as condições necessárias para que o papa
pudesse rejeitar as pretensões dos cristãos-novos expressas, em Roma,
pelo seu procurador Afonso Vaz. Prova de que a Inquisição portuguesa (maldita) agia com dureza, facto que deve ser
também relacionado com o ambiente cultural que, à época, se vivia na corte
portuguesa, fortemente marcado pelo espírito tridentino.
Lembremos que desde o
início do exercício do seu cargo como Inquisidor-geral,
para o qual fora nomeado
por seu irmão, João III, que aproveitou, assim, a possibilidade estipulada pelo
papa na bula da fundação da Inquisição (maldita),
o cardeal-rei Henrique teve de se defender dos ataques que lhe eram dirigidos
pelos cristãos-novos, rejeitando a acusação que era feita à dita de que esta os condenava por falsos testemunhos ou de
cristãos-velhos. Porém, o cardeal-infante, ao conseguir contrariar as pressões tolerantistas de Roma,
transformou o Tribunal do Santo Ofício em uma sentinela anti-judaica o
que, em determinados momentos, veio a revelar-se difícil de conciliar com os interesses
da monarquia». In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado
de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação
de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
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