A Guerra Junqueiro. Canto II
«(…)
Hino à montanha
Visionam-se batalhas
sobre ciclópicas muralhas
entre hipogrifos e dragões;
ou nos inóspitos Calvários
Rochedos - Nazarenos solitários,
agonisam em rudes contorsões.
Ha rochas ajoelhadas,
religiosamente concentradas
á beira das encostas;
Rochedos ojivais
imploram de mãos postas;
punjentissimos ais,
dilacerados gritos
sam os agudos coruchéus;
e os abismos voltados
para os Céus
estam erguendo a alma
aos infinitos.
Os áridos granitos,
rudes fragas,
plutónicas, curvadas
no seu fervor de
humildes consciências,
com seus cilícios d’urzes
requeimadas,
estam cumprindo duras penitencias.
Sonhos de Deus, esboços
do Sublime,
formas da primitiva creação!
Continuamente vos oprime
a dôr da imperfeição!
Montanha! É tam profunda
a tua dôr,
tam grande o teu impulso
redentor,
o anseio de beleza em que te abrazas,
que cada pesadissimo
rochedo,
inabalável, taciturno e quedo
tenta bater as asas!
E tudo se debate e tumultua
com um tremendo esforço sobreumano
nessa petrificada Babilónia:
és a carne sangrenta, rocha
núa,
o teu sossego - um revolver
insano,
o teu silencio - uma contínua
insónia.
Resto do Caos primitivo.
encapelado Oceano
de tudo o que ha trajicamente
vivo!
Ali - talvez a forja de
Vulcano
onde é batido o raio fulgurante;
Ali - talvez o pórtico do
Inferno,
onde o génio de Dante
foi esculpir o desengano
eterno.
Ali se desagregam duras fráguas,
roídas pelas águas
de persistente força
corrosiva;
mas neves, águas, rochas das alturas
jamais olvidaram pelas planuras
a ânsia primitiva.
A rocha que se funde e se
derrama
em terra, sedimento,
escura lama
vai da raiz á flor desabrochar,
e as águas que desceram das
pendentes
foram quedas, ribeiros e
torrentes,
por fim ondas altíssimas
do Mar!
Ali, emquanto não assola
a Terra,
nas gargantas da serra
ensaia a Tempestade os grandes
coros;
e sobre os píncaros agrestes,
vagabundos celestes,
vam descansar emfim os meteoros!
Ali - tudo o que é grande,
forte, altivo:
a Águia poisa, a nuvem pára,
o ar é puro e vivo
o Céu é mais profundo e a
luz mais clara!
Cariátide do Céu, Atlas gigante,
alto e rude colosso de granito!
Que heroismos, que
assombros
levantam a nossa alma delirante,
ao vêr que degladias o Infinito
e vem o Céu poisar-te sobre
os hombros!
Ás vezes ilumina-se o teu
dorso
no gesto transcendente da
verdade,
gesto que ensina a religião
do esforço
a aponta para um Céu de
Liberdade!
Heróis! unji as almas de
beleza
e erguei dali na luz e na
grandeza
destroços feitos por um deus
cruel:
os broqueis dos ciclopes
revoltados,
armas partidas d’anjos despenhados
E as ruinas da torre de Babel!»
In Jaime Cortesão, A Morte da
Águia, Poema Heróico, Livraria Editora Guimarães, Lisboa, 1910, The Library of
the University of California los Angeles, PQ 9261, C8196M8, 2007.
Cortesia de Editora Guimarães/JDACT