sexta-feira, 20 de junho de 2014

A Morte da Águia. Poema Heróico. Jaime Cortesão. «Ali, emquanto não assola a Terra, nas gargantas da serra ensaia a Tempestade os grandes coros; e sobre os píncaros agrestes, vagabundos celestes, vam descansar emfim os meteoros!»

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A Guerra Junqueiro. Canto II
«(…)
Hino à montanha
Visionam-se batalhas
sobre ciclópicas muralhas
entre hipogrifos e dragões;
ou nos inóspitos Calvários
Rochedos - Nazarenos solitários,
agonisam em rudes contorsões.

Ha rochas ajoelhadas,
religiosamente concentradas
á beira das encostas;
Rochedos ojivais
imploram de mãos postas;
punjentissimos ais,
dilacerados gritos
sam os agudos coruchéus;
e os abismos voltados para os Céus
estam erguendo a alma aos infinitos.
Os áridos granitos,
rudes fragas, plutónicas, curvadas
no seu fervor de humildes consciências,
com seus cilícios d’urzes requeimadas,
estam cumprindo duras penitencias.

Sonhos de Deus, esboços do Sublime,
formas da primitiva creação!
Continuamente vos oprime
a dôr da imperfeição!
Montanha! É tam profunda a tua dôr,
tam grande o teu impulso redentor,
o anseio de beleza em que te abrazas,
que cada pesadissimo rochedo,
inabalável, taciturno e quedo
tenta bater as asas!

E tudo se debate e tumultua
com um tremendo esforço sobreumano
nessa petrificada Babilónia:
és a carne sangrenta, rocha núa,
o teu sossego - um revolver insano,
o teu silencio - uma contínua insónia.

Resto do Caos primitivo.
encapelado Oceano
de tudo o que ha trajicamente vivo!
Ali - talvez a forja de Vulcano
onde é batido o raio fulgurante;
Ali - talvez o pórtico do Inferno,
onde o génio de Dante
foi esculpir o desengano eterno.

Ali se desagregam duras fráguas,
roídas pelas águas
de persistente força corrosiva;
mas neves, águas, rochas das alturas
jamais olvidaram pelas planuras
a ânsia primitiva.

A rocha que se funde e se derrama
em terra, sedimento, escura lama
vai da raiz á flor desabrochar,
e as águas que desceram das pendentes
foram quedas, ribeiros e torrentes,
por fim ondas altíssimas do Mar!

Ali, emquanto não assola a Terra,
nas gargantas da serra
ensaia a Tempestade os grandes coros;
e sobre os píncaros agrestes,
vagabundos celestes,
vam descansar emfim os meteoros!

Ali - tudo o que é grande, forte, altivo:
a Águia poisa, a nuvem pára,
o ar é puro e vivo
o Céu é mais profundo e a luz mais clara!

Cariátide do Céu, Atlas gigante,
alto e rude colosso de granito!

Que heroismos, que assombros
levantam a nossa alma delirante,
ao vêr que degladias o Infinito
e vem o Céu poisar-te sobre os hombros!

Ás vezes ilumina-se o teu dorso
no gesto transcendente da verdade,
gesto que ensina a religião do esforço
a aponta para um Céu de Liberdade!

Heróis! unji as almas de beleza
e erguei dali na luz e na grandeza
destroços feitos por um deus cruel:
os broqueis dos ciclopes revoltados,
armas partidas d’anjos despenhados
E as ruinas da torre de Babel!»

In Jaime Cortesão, A Morte da Águia, Poema Heróico, Livraria Editora Guimarães, Lisboa, 1910, The Library of the University of California los Angeles, PQ 9261, C8196M8, 2007.

Cortesia de Editora Guimarães/JDACT