O que
são a Terceira e Quarta Crónicas breves de Santa Cruz
«(…)
Antes de morrer, em Astorga, o conde Henrique faz uma longa fala a seu filho Afonso
sobre as obrigações de um príncipe quanto ao património, aos cavaleiros e aos
concelhos. Constitui-o herdeiro da sua terra e do seu valor pessoal e manda
chamar os seus vassalos de Astorga para que prestem menagem ao filho como seu
sucessor: recomenda a Afonso Henriques que não se afaste da cidade para não perder
a terra de Leão. Afonso Henriques, depois de consultar os vassalos, decide ir a
Braga ao enterro do pai. Os Leoneses aproveitam a sua ausência para se revoltarem,
e Afonso Henriques perde as suas terras de Leão. Retira a vassalagem que deve a
Afonso VII, imperador de Leão e Castela, e refugia-se em Portugal. (Neste
ponto a estória é pouco clara: deve supor-se que Afonso VII e Afonso Henriques
entraram em conflito porque aquele o expulsou da terra leonesa que este herdara
do conde) Mas a terra de Portugal não obedecia a Afonso Henriques, porque
tomara o partido de sua mãe, D. Teresa, e do conde Fernando Peres Trava. Afonso
Henriques apodera-se dos castelos da Feira e de Neiva e a partir deles começa a
fazer guerra a D. Teresa.
O
conde Fernando propõe a Afonso Henriques uma batalha para resolver de uma vez a
questão. Nesta ocasião encontram-se os três, e D. Teresa e seu filho discutem
acaloradamente os respectivos direitos à herança de Portugal, mas não chegam a
acordo. Encontram-se as tropas em Guimarães. D. Teresa exorta o marido, em
palavras exaltadas, a prender o filho. Este foi derrotado, fugiu, e na sua fuga
encontrou o seu aio, Soeiro Mendes, que o vinha ajudar na batalha.
Soeiro Mendes convenceu o pupilo a voltar ao combate e prometeu-lhe a vitória.
Assim acontece, e Afonso Henriques, vencedor, prende a mãe com ferros nos pés.
Ela lança contra ele uma maldição: que as
suas pernas venham a ser quebradas com ferros. E mandou pedir ajuda ao
imperador, oferecendo- lhe
a terra de Portugal se a libertasse. Vem o imperador com grande poder: os Portugueses
juntam-se a Afonso Henriques, que sai vencedor em Valdevez. O imperador
foge para Sevilha e deixa sete condes e muitos cavaleiros nas mãos dos portugueses.
Aqui intercala-se uma notícia breve da batalha de Ourique, a qual não se refere
ao milagre do aparecimento de Cristo mas sim à proclamação de Afonso Henriques
como rei, no campo de batalha. Fechado este parêntesis, encontramos outro cenário.
Conta o narrador que o papa veio a saber que Afonso Henriques trazia consigo
sua mãe presa, e mandou-lhe dizer pelo bispo de Coimbra que a soltasse, sob
pena de excomunhão. Afonso Henriques recusa terminantemente; o bispo excomungou
a cidade e fugiu de noite. Afonso Henriques reuniu os cónegos da Sé e
ordenou-lhes que designassem um novo bispo. Eles argumentaram que tinham bispo
e por isso não podiam nomear outro. Afonso Henriques mandou-os desfilar diante
de si para ele próprio escolher o novo bispo. No desfile viu um cónego que era negro. Interpelou-o e fez-lhe um
breve exame. Chamava-se Martinho, filho de Soleima. Esse foi o escolhido,
mas, como tivesse escrúpulos em aceitar, o rei ameaçou-o de lhe cortar a
cabeça; e o clérigo cantou missa. Foi isto sabido em Roma, e consideraram que o
rei era herege. O papa despachou um cardeal para lhe ensinar a Fé. Informado da
vinda do cardeal, o rei declarou que não se arrependia, e que lhe cortaria o
braço pelo cotovelo se lhe desse a mão a beijar. O cardeal chegou a Coimbra,
ficou assustado com as notícias e foi visitar o rei no alcácer. Segue-se um
diálogo em que o cardeal diz ao que vem; o rei responde que não precisa que lhe
ensinem a Fé, pois tão bons .livros há em Coimbra como em Roma. Só precisa de
que Roma o ajude na sua guerra contra os Mouros.
Ficou
aprazada uma entrevista para o dia seguinte, mas ao cantar do galo o cardeal
convocou os clérigos, excomungou a cidade e partiu. O rei soube-o na manhã
seguinte; seguiu imediatamente no seu encalce e alcançou-o quando o cardeal já
ia a duas léguas da cidade, em Santa Maria da Vimieira. O rei levantou a
espada para cortar a cabeça ao cardeal, mas suspendeu-se quando quatro
cavaleiros que vinham atrás dele lhe gritaram que não o fizesse porque seria de
todo em todo considerado herege em Roma. Então o rei despoja o cardeal das
riquezas que levava e só lhe deixa três cavalgaduras para seguir viagem.
Obriga-o a prometer que lhe enviará de Roma no prazo de quatro meses uma carta
do papa prometendo que Portugal não será excomungado enquanto ele for vivo, deixando
um sobrinho como refém. A carta de isenção chegou dentro do prazo e daí em
diante o rei foi bispo e arcebispo e
ninguém mandou nele». In António José Saraiva, A Cultura de
Portugal, Teoria e História, Gradiva, Lisboa, 1991, 2007, ISBN
978-972-662-190-4.
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