Antes
de Portugal (1816-1836). A família Coburgo
«O
futuro rei Fernando II de Portugal nasceu em Viena a 29 de Outubro de 1816. Foi
baptizado com os nomes Ferdinand August Franz Anton, Fernando Augusto Francisco
António. Na alta sociedade, cada nome próprio homenageava alguém, em geral da
família. E assim não surpreende esta sucessão de nomes: Fernando, o do pai;
Augusto, o da avó paterna; Francisco, dos dois avôs, e António, o da mãe e da
avó materna. Nessa época ainda não existia a Casa Saxe-Coburgo-Gotha. Os
apelidos de Fernando eram Saxe-Coburgo-Saalfeld, a que se acrescentava não
oficialmente Koháry, da família materna. Na Europa além-Pirenéus as mães não transmitiam,
nem transmitem, os seus apelidos aos filhos. Contudo, o ramo católico
austríaco da família Saxe-Coburgo, fundado em 1815 pelos pais, Fernando Jorge de Saxe-Coburgo-Saalfeld (1785-1851)
e Maria Antónia Gabriela Koháry de Csábrág e Szitnya (1797-1862), passou
a ser conhecido por Saxe-Coburgo-Saalfeld-Koháry e, mais tarde,
Saxe-Coburgo-Gotha-Koháry, para se distinguir dos outros, que eram protestantes
e coburgueses. A fortuna dos Kohárys era colossal e no império austríaco o nome
era de peso.
Na
altura do nascimento de Fernando Augusto, a família paterna governava os
ducados de Coburgo e Saalfeld, unidos desde 1735 e situados ambos na Turíngia (embora Coburgo pertença actualmente
ao estado alemão da Baviera). Tinham sobrevivido como Estado independente
às guerras francesas (1792-1815), à integração na Confederação do Reno (1806-1813)
e à recomposição política da Confederação Germânica concebida em 1814-1815
no Congresso de Versalhes. Como tantos outros estados germânicos, o ducado de
Saxe-Coburgo-Saalfeld caíra sob domínio francês. Ocupado militarmente em Outubro
de 1806, foi integrado na
Confederação do Reno dois meses depois. O soberano Francisco Frederico (1750-1806),
que era o avô do príncipe Fernando Augusto, faleceu nesse mesmo mês, depois de
rer negociado a integração, e foi a duquesa-viúva, Augusta Reuss-Ebersdorf (1757-1831),
que assumiu a regência numa posição muito delicada e perigosa. Ernesto (1784-1844),
que sucederia ao pai com o título de Ernesto III, combatera nas fileiras russas
e nesse ano de 1806 integrava o
exército prussiano; o irmão mais novo, Leopoldo (1790-1865), embora
ainda não combatente, detinha uma patente militar na Rússia; e Fernando Jorge
(pai do futuro Fernando) era desde 1802
oficial nas forças armadas austríacas.
Com
a paz de Tilsit, em Julho de 1807,
a Casa de Coburgo foi recomposta, mas ao eclodir a guerra entre a França e a
Áustria, em 1809, Napoleão exigiu
que Fernando Jorge e um seu cunhado abandonassem o exército austríaco. Apesar
da ameaça de julgamento em conselho de guerra, Fernando Jorge e o cunhado só
fingiram acatar a ordem, continuando a combater sob falsa identidade. Não foi
fácil para a mãe e os seus três filhos Ernesto, Fernando Jorge e o jovem
Leopoldo preservar o ducado entre as exigências contraditórias da França, que
os dominava, e os inimigos desta, a cujas cortes os Coburgos estavam ligados. Recuemos,
pois, para percebermos como esta família se integrava no xadrez político da
época e como já iniciara a sua espantosa ascensão, ainda antes da guerra europeia,
intensificando-se a seguir. E entremos nos meandros dos seus casamentos e
nascimentos para nos familiarizarmos com os muitos tios e primos do futuro
Fernando II, cuja frequência de homonímia dificulta um tanto a tarefa.
Em
1796 a tia Juliana (1781-1860),
terceira filha do duque Francisco Frederico e de sua mulher Augusta, casou com
Constantino Romanov, neto de Catarina II, a
Grande, e filho do seu herdeiro, Paulo. Fora a velha czarina, germânica de
nascimento, que depois de várias tentativas fracassadas para casar o neto com
uma princesa alemã, convidara os duques reinantes de Saxe-Coburgo-Saalfeld a
enviar a Moscovo as suas netas mais velhas. A proposta abria óptimas perspectivas
à família, que tinha pouca influência política e graves carências financeiras,
obstáculos de monta a um futuro promissor para as quatro filhas e seus irmãos
Fernando Jorge e Leopoldo. A mãe apresentou-se na corte imperial russa com as
três filhas mais velhas: Sofia, de 17 anos, Antonieta, de 16, e Juliana, de 14.
Constantino não se interessou por nenhuma, mas a avó czarina obrigou-o a escolher
e a eleita foi Juliana. Assim, a jovenzinha, pouco mais do que uma criança,
ficou em Moscovo, realizando-se o casamento em inícios do ano seguinte, já após
a morte de Catarina II e a entronização de Paulo I. Juliana, que na Rússia
passou a ser Ana Feodorovna, assegurava à família uma aliança invejável. Por
essa razão, os irmãos Ernesto e Leopoldo, como já vimos, eram oficiais do
exército russo. Juliana foi profundamente infeliz, maltratada pelo marido. Oito
anos depois conseguiu sair da Rússia e mais tarde obteve o divórcio e
instalou-se na Suíça, onde viveu à sua vontade, apesar das pressões da família
para se reconciliar com o marido. Como os Coburgos, sobretudo Leopoldo, sempre
mantiveram boas relações com o ilustre parente Romanov, o casamento cumpriu os
seus propósitos». In Maria Antónia Lopes, D. Fernando II, Um Rei Avesso à Política,
Círculo de Leitores, 2013, ISBN 978-972-42-4894-3.
Cortesia
de CL/JDACT