A
Questão Judaica (séculos XV-XX). Os Judeus em Portugal no século XV
A Sociedade Judaica
«(…)
Constituindo um grupo bastante heterogéneo a nível profissional, estes integravam,
sem dúvida, o grupo dos poderosos,
quer pela sua riqueza, quer pelo prestígio social, quer pelo favor da corte.
Pertenciam à elite da sociedade judaica donde saíam os altos oficiais desta
minoria, no reino e nas comunas, os rendeiros da corte, os banqueiros, os
parceiros nas sociedades mercantis com a coroa e as grandes famílias nobres ou
com os mercadores estrangeiros, os expertos artesãos da corte, e os físicos do
rei e da nobreza. Neles se incluíam os Negro, os Navarro, os Abravanel,
os Palaçano, os Latam, etc., que o Cancioneiro Geral
imortalizou:
[...] estes sam os de cuydar
sem os poderdes neguar
os mores oyto senhores.
Sera primeyro Latam,
o segundo Samuel,
o terceyro Salaman,
o quarto sera Fayam
o quinto Abrauanel.
Namorado he Palaçano,
Gualyte, tambem Jaçee
poys cuydã em dar seu pãno
mays do que vaal ala fe...
Alguns
sucederam-se nos cargos, como autênticas dinastias. Tal foi o caso dos Negro,
quer no arrabiado-mor do reino, quer nas magistraturas da comuna de Lisboa. O
título de dom e o brasão
marcavam-lhes também a distinção social, assim como os títulos de vassalo e
servidor do rei. Na quase totalidade das concessões régias o porte das armas e
a deslocação em besta muar eram acompanhados pela dispensa do uso de sinal
distintivo, a estrela, com o tamanho do selo real, usada no exterior do vestuário,
e da permissão de pousarem nas estalagens cristãs. Pela sua posição social,
próxima da corte, estes judeus podiam vestir tecidos caros de 1ã, veludo ou
seda, assim como adornarem-se de ouro e prata, e peles, tal como a mais rica
gente honrada e nobre cristã. Neles não se aplicavam as leis anti-sumptuárias
que identificavam, no trajar, as minorias religiosas com o povo miúdo cristão.
O seu cumprimento seria reestabelecido por João II, já num período de
instabilidade social, onde as movimentações antijudaicas, reflexo do que
ocorria nos reinos vizinhos peninsulares, iriam coagir o soberano a criar condições
de inabilidade social, exteriorizadas no comportamento exterior, traduzido pelo
vestuário de luxo e ostentatório de riqueza.
Estes
poderosos constituíam uma minoria dentro da sociedade judaica. Sobre a
população maioritária pouco sabemos, a não ser em termos de justiça
distributiva e de trabalho. Neste caso a documentação régia refere-se aos pobres e ao povo miúdo das comunas, ou seja, numa menção clara à repartição e
incidência fiscal e à ausência de poder político comunal. Os pobres das comunas, à semelhança do que
acontecia nos concelhos cristãos, integravam uma gama muito diversa de
indivíduos que iam desde o mesteiral de tenda aberta ao assalariado, ao pequeno
mercador e almocreve, ao trabalhador rural por conta própria ou de outrem.
Constituíam, enfim, aqueles que poderíamos designar por estratos médios e inferiores
da sociedade judaica, com rendimento suficiente para serem colectados pelo fisco.
Abaixo deles ficava a indigência que a assistência comunal, através da caixa da
sedaka, a esmola, ou dos hospitais e
confrarias acolhia.
Cristãos e judeus: o antijudaísmo
O
antijudaísmo apresentou-se na história portuguesa como uma manifestação tardia
e sem uma representatividade específica, a julgarmos pela documentação da
chancelaria real, pelos textos literários, pela imagem e pela própria tradição
oral. Os judeus portugueses definiram-se como naturais do reino e, até aos
finais do século XIV, como vizinhos dos concelhos, usufruindo das mesmas
regalias que os moradores cristãos. No entanto, este privilégio começou a ser
contestado já no reinado de Fernando I, acabando por ser abolido o direito de
vizinhança com o rei Duarte I». In História de Portugal, João Medina, volume
VII, Judeus, Inquisição e Sebastianismo, Maria José Pimenta Ferro Tavares, A
Questão Judaica, SAPE, Ediclube, Alfragide, Mateu Cromo, Madrid, 2004, ISBN
972-719-275-0.
Cortesia
de Ediclube/JDACT