A Longa Espera pelo Trono. O mundo que viu Sancho nascer e crescer
«(…) Com efeito, os primeiros vinte anos de pontificado de Alexandre
III foram passados por entre cismas e heresias, desde os mais violentos episódios
da condenação aos albigenses, em Tours, em 1163,
ao assassinato do arcebispo Thomas Beckett em 1170 e ao permanente jogo entre o papado e o império das potências
itálicas e sicilianas. Ao contrário do que São Bernardo e o Papado tinham
imaginado, as duas primeiras Cruzadas não tinham conseguido unificar os reinos
cristãos, facto que as desavenças entre os reis cruzados, especialmente entre o
rei de Inglaterra e o rei de França, ilustravam de forma tristemente eloquente,
até à saciedade. Os reis destes dois reinos, para além de terem aderido ao
ímpeto de partir em Cruzada para libertar
a Terra Santa, não deixavam de estar também muito empenhados em afirmar a
supremacia e independência dos respectivos reinos face a todos os restantes poderes.
Desde então e até finais do século XII ir-se-ia assistir ao que se
costuma chamar o nascimento das monarquias
nacionais, ou seja, o esforço de contrariar as tendências anteriores de
fragmentação do poder em reinados baseados exclusivamente em relações feudais
de interdependência pessoal, e a tentativa de estruturar reinos baseados em
princípios de governação e administração mais racionalizados e mais impessoais,
nos quais a territorialização dos reinos surge como um vector muito mais
relevante que as relações pessoais. Ao mesmo tempo, insiste-se na valorização
do carácter público e suprapessoal do rei e do reino, com o apoio dado pelos
princípios imperiais e romanos que
renasciam nesta época pelo reanimar dos estudos de direito romano e canónico
nas universidades e pela entrada desses intelectuais, em força e com bastante
poder, nas estruturas de governação destes reinos.
Decididos a imitar nos seus próprios reinos os princípios pelos quais o
próprio Império se regia, os reis de Inglaterra e da França, ou os seus
conselheiros por eles, ungidos e sacralizados pelo poder pontifício, propunham
a partir de agora uma total liberdade em relação ao imperador, com base numa
máxima que fez história, a de que o rei é
imperador dentro do seu próprio reino, (rex imperator in regno suo),
afastando assim, gradual mas decididamente, o espectro das anteriores monarquias feudais, baseadas exclusivamente
nos laços de relações interpessoais, e o da supremacia do império em relação
aos reinos. E mudando também, consequentemente, os anteriores modelos de inter-relacionamento
com o próprio papado.
No próprio ano em que Sancho I nasceu, 1154, Henrique II de Inglaterra casava
com Leonor da Aquitânia, ex-mulher do rei de França, numa aliança que daria
imediatamente origem à renovação das velhas questões entre a Inglaterra e a
França. As conhecidas repercussões políticas deste matrimónio, sobretudo
sensíveis na perda territorial que a alienação da Aquitânia significou para o
ex-marido de Leonor, Luís VII de França, dariam o mote para o recomeço das
guerras entre o filho deste, Filipe Augusto, e Henrique II de Inglaterra, mal
Filipe sucedeu e seu pai no trono francês, em 1180. Em Inglaterra, entre 1160-1164, e depois em 1170, e em França, durante os anos
finais de Luís VII e de Filipe Augusto, as questões levantadas pelos conflitos
entre os poderes espirituais e temporais, nomeadamente na relação dos monarcas
com o papado e com o império, Parecem ter pautado a correspondência entre todos
os envolvidos no processo.
O mais marcante dos episódios desta luta foi, porventura, o já
mencionado assassínio do arcebispo de Cantuária, Thomas Beckett, perpetrado por
ordem do rei Henrique II, em 1170,
na sequência da recusa do arcebispo em aceitar as determinações régias que limitavam
o poder da Igreja nesse reino. O acontecimento marcaria toda a cristandade e repercutir-se-ia
em territórios tão distantes do centro da
cristandade como Portugal, onde se atesta o culto a este santo desde muito
cedo, provavelmente fruto do fluir populacional que as Cruzadas implicavam, mas
também por se tratar de um assunto tão relevante para qualquer reino e seus
poderes. Este caso serviria ainda como pivô das consequentes políticas pontifícias
nesses reinos. A região central que os reinos de Inglaterra e França ocupavam
foi decerto o cerne de alguns dos mais importantes desenvolvimentos desta
segunda metade do século XII. Os casamentos sucessivos de Leonor da Aquitânia e
as políticas e papel jogados por seus maridos e filhos e pelos filhos deles
determinaram todo o xadrez político de uma zona onde dois poderes maiores se
digladiavam pela posse territorial que ambos reclamavam». In Maria João Violante Branco,
Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN
978-972-759-978-3.
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