Elementos
para a História Diplomática Portuguesa
«(…)
Tomara corpo, entretanto, a campanha do Rossilhão, onde o nosso pequeno contingente
se batia ao lado das armas espanholas. Por toda a Europa, e para além dela, as
forças beligerantes, sobretudo inglesas e francesas, pesavam o seu poder nas
operações das suas tropas. A generalização do conflito concedia uma inusitada
dimensão à causa que lhe havia dado origem. O contraste dos sucessos acentuava-se
cada dia. Em terra, as vitórias de República contrapunham-se aos triunfos
ingleses sobre o mar. Aqui marcava a latente superioridade britânica, da qual,
aliás, desde logo passámos a beneficiar, principalmente em favor da defesa de
Moçambique. A despeito da extraordinária firmeza de que a França dava provas,
na ordem interna debatia-se com gravíssimas dificuldades. Em Julho, Robespirre
é substituído pelos membros do futuro Directório, e essa mudança não deixará,
de se repercutir na panorâmica internacional. De facto, os meses seguintes
virão consagrar os êxitos alcançados pelos exércitos franceses. Paris sente
livre o caminho para o seu projecto de continentalidade, traduzido pela sua
absoluta hegemonia na Europa. Dos coligados alguns ameaçam fraquejar. A Espanha
e a Prússia, nos princípios de 1795,
mostram desejos de entrarem num acordo, sem disso darem parte aos restantes
aliados.
António
Santos Branco, secretário da Legação portuguesa em Paris, observa, apreensivamente,
o evoluir dos acontecimentos. Na sua opinião, estava para breve a paz entre a
Espanha e a França. Impunha-se, por isso, tomar idêntica atitude, para que
Portugal não ficasse a sós com a Inglaterra na continuação do conflito. As
circunstâncias eram propícias, pois havia o ensejo de aproveitar os bons
ofícios dos Estado Unidos, país neutro, mas cuja influência era cada vez maior
junto do Directório. Nesse sentido, escreve para Lisboa, salientando que
qualquer aliança luso-americana trabalharia como arranque à paz com a
República. O próprio governo acolheria com bons olhos essa hipótese, na medida
em que prefigurava uma alternativa, vantajosa aos seus interesses, do apoio
naval britânico pela força marítima da América. Plano simples nas suas linhas
gerais e certamente eficaz no golpe que desferia à mais antiga aliança da
Inglaterra, favorecia a França, mas nunca os verdadeiros princípios da política
portuguesa. Com efeito, a aliança luso-britânica não assentava unicamente no
interesse de um mútuo auxílio estratégico; tinha atrás de si dois importantes e
insuperáveis factores: o mercado recíproco para as trocas comerciais e o
espectro das represálias inglesas pela dissolução das garantias convencionadas.
O
que se previa veio, de facto, a acontecer. Derrotada nas últimas campanhas e
receosa dos efeitos de uma aliança inconsistente, a Espanha assina em Basileia
a paz com a República. Afinal, o tabuleiro político repunha as peças nas
posições tradicionais, arrastando nas suas consequências todos quantos no lance
haviam participado. Para o Governo Português abria-se um novo capítulo, prenhe
de escolhos e de melindrosas alternativas. Solicitado por dois núcleos, de cuja
atracção com dificuldade se libertava, Luís Pinto optará pelas únicas vias que
lhe restavam: a diplomacia dilatória, frequentemente ambígua e quase sempre
complexa para as dificuldades continentais; uma atitude persistente e irreversível
quanto aos problemas ultramarinos. Este é, para nós, o eixo orientador do
Ministério de Lisboa por todo aquele tempo que medeia até à chamada Guerra das Laranjas. Habilidade e
oportunismo são as palavras expressivas para as relações com a França e com a
Espanha. Fidelidade, a que determina os contactos junto da Grã-Bretanha.
Após
a Paz da Basileia, que depressa se transformou num verdadeiro Tratado de
Aliança ofensiva e defensiva franco-espanhol, Portugal passou a estar
sujeito ao apertado cerco feito por aquelas duas potências; a primeira grande
coligação deixara de existir, dando lugar a um considerável aumento do
prestígio francês. Paris havia realizado uma aliança com a Holanda, fórmula
complementar da sua aproximação com Madrid. Uma nova frente nascia, mas desta
vez nas condições inversas da anterior. O Directório buscara os apoios que lhe
eram imprescindíveis: o continental na Espanha, o marítimo na poderosa esquadra
holandesa. Com eles propunha-se esmagar a sua mais próxima rival, que, de ora
avante, só contaria com o auxílio português. Este, como é evidente, teria de
fazer-se com muita prudência e grandes cautelas. A posição estratégica de
Portugal funcionava a um tempo como vantagem e inconveniente. Aos seus portos
concorriam todos os navios beligerantes, muito embora os ingleses usufruíssem
de especiais privilégios. A adesão portuguesa tinha, portanto, o seu peso, que
não era desprezado por nenhuma das partes, resultando daí pressões só a muito
custo vencidas». In Fernando Castro Brandão, A Política Externa Portuguesa e a Aliança
Defensiva de 1799 com a Rússia, Elementos para a História Diplomática
Portuguesa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, INCM, Lisboa, 1974.
Cortesia
da INCM/JDACT