sábado, 1 de novembro de 2014

A Política Externa Portuguesa e a Aliança Defensiva de 1799 com a Rússia. Castro Brandão. «O que se previa veio, de facto, a acontecer. Derrotada nas últimas campanhas e receosa dos efeitos de uma aliança inconsistente, a Espanha assina em Basileia a paz com a República»

jdact

Elementos para a História Diplomática Portuguesa
«(…) Tomara corpo, entretanto, a campanha do Rossilhão, onde o nosso pequeno contingente se batia ao lado das armas espanholas. Por toda a Europa, e para além dela, as forças beligerantes, sobretudo inglesas e francesas, pesavam o seu poder nas operações das suas tropas. A generalização do conflito concedia uma inusitada dimensão à causa que lhe havia dado origem. O contraste dos sucessos acentuava-se cada dia. Em terra, as vitórias de República contrapunham-se aos triunfos ingleses sobre o mar. Aqui marcava a latente superioridade britânica, da qual, aliás, desde logo passámos a beneficiar, principalmente em favor da defesa de Moçambique. A despeito da extraordinária firmeza de que a França dava provas, na ordem interna debatia-se com gravíssimas dificuldades. Em Julho, Robespirre é substituído pelos membros do futuro Directório, e essa mudança não deixará, de se repercutir na panorâmica internacional. De facto, os meses seguintes virão consagrar os êxitos alcançados pelos exércitos franceses. Paris sente livre o caminho para o seu projecto de continentalidade, traduzido pela sua absoluta hegemonia na Europa. Dos coligados alguns ameaçam fraquejar. A Espanha e a Prússia, nos princípios de 1795, mostram desejos de entrarem num acordo, sem disso darem parte aos restantes aliados.
António Santos Branco, secretário da Legação portuguesa em Paris, observa, apreensivamente, o evoluir dos acontecimentos. Na sua opinião, estava para breve a paz entre a Espanha e a França. Impunha-se, por isso, tomar idêntica atitude, para que Portugal não ficasse a sós com a Inglaterra na continuação do conflito. As circunstâncias eram propícias, pois havia o ensejo de aproveitar os bons ofícios dos Estado Unidos, país neutro, mas cuja influência era cada vez maior junto do Directório. Nesse sentido, escreve para Lisboa, salientando que qualquer aliança luso-americana trabalharia como arranque à paz com a República. O próprio governo acolheria com bons olhos essa hipótese, na medida em que prefigurava uma alternativa, vantajosa aos seus interesses, do apoio naval britânico pela força marítima da América. Plano simples nas suas linhas gerais e certamente eficaz no golpe que desferia à mais antiga aliança da Inglaterra, favorecia a França, mas nunca os verdadeiros princípios da política portuguesa. Com efeito, a aliança luso-britânica não assentava unicamente no interesse de um mútuo auxílio estratégico; tinha atrás de si dois importantes e insuperáveis factores: o mercado recíproco para as trocas comerciais e o espectro das represálias inglesas pela dissolução das garantias convencionadas.
O que se previa veio, de facto, a acontecer. Derrotada nas últimas campanhas e receosa dos efeitos de uma aliança inconsistente, a Espanha assina em Basileia a paz com a República. Afinal, o tabuleiro político repunha as peças nas posições tradicionais, arrastando nas suas consequências todos quantos no lance haviam participado. Para o Governo Português abria-se um novo capítulo, prenhe de escolhos e de melindrosas alternativas. Solicitado por dois núcleos, de cuja atracção com dificuldade se libertava, Luís Pinto optará pelas únicas vias que lhe restavam: a diplomacia dilatória, frequentemente ambígua e quase sempre complexa para as dificuldades continentais; uma atitude persistente e irreversível quanto aos problemas ultramarinos. Este é, para nós, o eixo orientador do Ministério de Lisboa por todo aquele tempo que medeia até à chamada Guerra das Laranjas. Habilidade e oportunismo são as palavras expressivas para as relações com a França e com a Espanha. Fidelidade, a que determina os contactos junto da Grã-Bretanha.
Após a Paz da Basileia, que depressa se transformou num verdadeiro Tratado de Aliança ofensiva e defensiva franco-espanhol, Portugal passou a estar sujeito ao apertado cerco feito por aquelas duas potências; a primeira grande coligação deixara de existir, dando lugar a um considerável aumento do prestígio francês. Paris havia realizado uma aliança com a Holanda, fórmula complementar da sua aproximação com Madrid. Uma nova frente nascia, mas desta vez nas condições inversas da anterior. O Directório buscara os apoios que lhe eram imprescindíveis: o continental na Espanha, o marítimo na poderosa esquadra holandesa. Com eles propunha-se esmagar a sua mais próxima rival, que, de ora avante, só contaria com o auxílio português. Este, como é evidente, teria de fazer-se com muita prudência e grandes cautelas. A posição estratégica de Portugal funcionava a um tempo como vantagem e inconveniente. Aos seus portos concorriam todos os navios beligerantes, muito embora os ingleses usufruíssem de especiais privilégios. A adesão portuguesa tinha, portanto, o seu peso, que não era desprezado por nenhuma das partes, resultando daí pressões só a muito custo vencidas». In Fernando Castro Brandão, A Política Externa Portuguesa e a Aliança Defensiva de 1799 com a Rússia, Elementos para a História Diplomática Portuguesa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, INCM, Lisboa, 1974.

Cortesia da INCM/JDACT