A
perspectiva de género: o potencial da Teoria das Capacidades
«(…)
Neste
sentido, o enfoque nas capacidades torna-se um instrumento privilegiado na
análise das diferenças de género. A forma como as capacidades se convertem em funcionamentos,
difere por se ser homem ou mulher e depende das identidades sociais e de outros
processos sociais, percebidos num determinado contexto, logo, difere entre
masculino e feminino. Isto significa que, nem só as oportunidades reais (capacidades)
de homens e mulheres são distintas, uma vez que, em determinados contextos
sociais e culturais podem ter, de facto, acesso distinto aos recursos, como também
que em determinados contextos sociais e culturais, perante um conjunto de capacidades,
homens e mulheres podem realizar escolhas diferentes, por terem implícitas
preferências distintas. Diversos autores (e.s. Addabbo, Lanzio & Picchio, 2010;
Chattier, 2012; Nussbaum, 2000; Robeyns, 2003; Sen, 1990,
1992, 1993, 1999) reconhecem o potencial desta teoria
quando aplicada na perspectiva de género. Partindo de uma consideração comum, a
de que persistem suposições de que as relações de género são igualitárias a
nível familiar, os autores e as autoras levam em linha de conta que: os
conflitos de interesses parcialmente díspares no seio da família recebem soluções
tipificadas através de padrões de comportamento implicitamente aceites que
podem ser ou não especialmente igualitários (…) uma mulher espoliada pode nem
avaliar com clareza a dimensão da sua privação relativa (Sen, 1999).
Algumas representações sociais
relacionadas com o género podem perpetuar desigualdades entre homens e
mulheres, que são aceites porque estão socialmente instituídos. Neste sentido,
admitindo que as relações de género não são igualitárias a nível familiar
pode-se considerar que os orçamentos familiares não são equitativamente distribuídos
logo, na prática, as análises que assentam nos orçamentos familiares parecem
não ter capacidade para avaliar a verdadeira privação de algumas mulheres, a
verdadeira privação não se relaciona exclusivamente com a pobreza económica do agregado
familiar mas com a restrição de escolhas e opções e com distintas preferências,
decorrentes do contexto social e cultural. Outra potencialidade da Teoria
das Capacidades quando aplicada numa perspectiva de género é considerar que
em determinados contextos, as mulheres podem conceptualizar o seu bem-estar em
termos do bem-estar de outros, como o seu marido, os seus filhos e outros
membros da família. Este aspecto é importante na construção do enquadramento
teórico deste estudo considerando que as mulheres podem alterar a sua lógica
preferencial de satisfação de algumas necessidades em prol da satisfação das
necessidades de outros elementos do agregado familiar. Por fim, a Teoria das
Capacidades também considera o que as pessoas podem de facto fazer ou ser
tanto a nível de mercado laboral como fora dele. Deste modo, a Teoria das
Capacidades valoriza as contribuições femininas para o bem-estar geral da
sociedade e das famílias. Estas contribuições ficam, diversas vezes, invisíveis
se considerarmos indicadores estatísticos de produtividade numa perspectiva de
mercado e não de valor. Adoptando a perspectiva da Teoria das Capacidades
é possível dar visibilidade à contribuição do trabalho não-pago que se traduz,
por exemplo, na realização de tarefas domésticas, cuidado do lar, e/ou
prestação de cuidados a familiares. Por considerar estas questões no seu quadro
teórico a Teoria das Capacidades permite elaborar uma formulação mais
abrangente do bem-estar das mulheres.
Assim, a Teoria das Capacidades,
ao ser centrada nos indivíduos e nas suas capacidades, mais do que nos
agregados familiares e em medidas quantitativas de bem-estar, possibilita uma
análise rica na perspectiva de género. Esta abordagem permite, também, tomar em
consideração a distribuição intrafamiliar dos recursos relacionada com as
relações de género desiguais e as preferências que estão, por sua vez, relacionadas
com os papéis sociais de género que correspondem a dimensões da vida invisibilizadas
por outras teorias e, muitas vezes, não quantificáveis.
A
Teoria das Capacidades Humanas de Martha Nussbaum
Um
estudo das necessidades humanas na perspectiva de género estaria incompleto sem
mencionar a Teoria das Capacidades Humanas de Martha Nussbaum. No seu livro, Mulheres e Desenvolvimento
Humano, Nussbaum (2000) desenvolve uma reflexão sobre a Teoria das
Capacidades Humanas na qual apresenta uma lista clara e específica de
capacidades que considera fundamentais para o desenvolvimento humano e, em
particular, das mulheres. De facto, Nussbaum não partilha em absoluto das
ideias de Sen. Para Sen a teoria não pode fornecer uma lista completa de
capacidades básicas relevantes a todas as sociedades, reconhecendo o valor de
uma teoria das capacidades incompleta,
susceptível de combinações que procura consistência com uma série de outras
teorias». In Margarida Ferreira, Política Social, Pobreza e Exclusão Social,
Projecto Pobreza Absoluta em Portugal, Fundação para a Ciência e a Tecnologia,
Wikipédia, ISCSP, 2013.
Cortesia
de ISCSP/JDACT