«Os
Médici foram uma das famílias mais importantes do Renascimento italiano. De
extraordinária influência na arte, no comércio e na religião, as suas
desapiedadas redes de influência e alianças trouxeram-lhes muitos inimigos que
os quiseram afastar do poder. Em 1478,
os seus rivais uniram-se para matar os irmãos Lourenço e Julião de Médici na
catedral de Florença, conhecida por Duomo.
Durante quinhentos anos, a a versão popular da conjura interpretou o que se
passou como uma disputa entre duas poderosas famílias: os Médici e os seus rivais,
os Pazzi. Não há dúvida de que membros da família Pazzi mataram Julião, e
também quase conseguiram eliminar Lourenço, mas, na realidade, o crime de há
quinhentos anos ainda é um caso por resolver. Foram realmente os Pazzi os
cérebros desta tentativa de assassínio e foi
apenas uma luta entre famílias? No ano 2000, um estudante da Universidade de Yale, Marcello Simonetta,
encontrou uma carta secreta nos arquivos de Urbino que indica as forças impulsionadoras
daquele acto sangrento, descrevendo-o como uma complexa conspiração com
tentáculos que chegavam até ao papado.
Houve
um tempo em que a República de Florença era o pulsar cultural do mundo e o seu
coração foram os jovens irmãos Médici, Lourenço e Julião. A sua influência na
banca, na religião e na política espalhava-se por toda a península Itálica, uma
força que Lourenço entendia muito bem, apesar de ter apenas 20 anos quando
chegou ao poder. Culto, refinado, brilhante e audaz, muito seguro de si e
dotado de grande inteligência, Lourenço de Médici, digno neto de Cosme,
realizou durante o seu principado (1469-1492) o ideal do Renascimento italiano:
poeta, filósofo, mecenas e diplomata, era muito
consciente do poder da cultura florentina como ferramenta diplomática,
assegura a historiadora Melissa Bullard, da Universidade da Carolina do Norte.
O seu irmão mais novo, Julião, aberto, atraente e nada político, era seu assessor.
O trabalho dos dois irmãos era muito diversificado: proteger artistas como
Miguel Ângelo, atribuir cargos, ser a importantíssima banca do papado,
conquistar novos territórios... Porém, pela sua juventude, davam a impressão de
vulnerabilidade e a inexperiência criava-lhes inimigos.
Em 1470,
Lourenço cometeu muitos erros políticos. Distanciou-se de muita gente. Os
irmãos enfrentavam adversários em todas as esferas de influência, explica o
historiador Niccolò Capponi. Na banca, a família Pazzi receava o poder e a
riqueza deles. Na Igreja, o papa Sisto IV ofendeu-se com a recusa de Lourenço
em lhe conceder um empréstimo. E, na política, outros senhores, como o duque de
Urbino, mudaram a sua lealdade da Florença de Lourenço para outras cidades,
procurando sempre unir forças com quem possuísse o maior poder na península
naquele momento. Os ingredientes desta poção de rancor eram sobejamente conhecidos
mas, ao longo dos séculos, prevaleceu uma história sobre a conspiração dos
Pazzi, baseada na tentativa de matar os dois irmãos durante a missa pascal no Duomo de Florença. No entanto,
culpabilizar só os Pazzi simplifica demasiado o assassínio, fazendo que pareça
que a família dos banqueiros foi a única responsável. O historiador Marcello
Simonetta começou a investigar o acontecido após o descobrimento de uma carta
escrita em 1478 por Frederico II de
Montefeltro,9.º conde e primeiro duque de Urbino, suposto amigo dos Médici, a
Cicco Simonetta, regente de Milão e importante aliado de Lourenço de Médici,
além de antepassado renascentista do historiador. Investigando a vida do seu
antepassado, encontrou essa carta, num achado que aumentou a sua curiosidade.
Marcello Simonetta começou então uma pesquisa para reconstruir os
acontecimentos anteriores à conspiração e encontrar pistas sobre o artífice da
trama. A pista seguinte foi-lhe trazida por uma segunda carta do duque de Urbino,
indicando a Cicco que tivesse cuidado com Lourenço e advertindo-o de que não era um aliado seguro. A carta descrevia
Lourenço como inimigo secreto de Cicco Simonetta, explica Marcello
Simonetta, actual historiador e professor da Universidade Wesleyan. O duque de
Urbino tinha capitaneado operações militares de Lourenço e actuava dos dois lados,
pondo Cicco contra Lourenço. Esta contradição fez Marcello Simonetta pensar que
o duque tinha a chave do mistério sobre o artífice da chamada conspiração dos
Pazzi. Mas uma coisa eram as suas suposições e outra muito diferente seria
conseguir as provas da conjura». In The History Channel, Los Grandes
Misterios de la Historia, Randon House Mondadori, 2008, O assassínio dos Medici,
tradução de Maria Irene Carvalho, Clube do Autor, Lisboa, 2010, ISBN
978-989-845-206-1.
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