Estratégias
para o desenvolvimento de boas práticas
«A
salvaguarda do Património Cultural Imaterial (doravante PCI)
é um tema que tem merecido particular destaque nos últimos anos nos fóruns
internacionais, especialmente os promovidos pela UNESCO, motivando o interesse
crescente de profissionais de várias áreas para a sua investigação e análise.
Mas não só, o ICOMOS, o ICOM e a WIPO são também algumas das organizações envolvidas
no debate e que se prolonga nos meios universitários. De certa forma, este era
um campo tradicionalmente restrito aos antropólogos e sociólogos, mas pouco a
pouco o debate expandiu-se com a participação de museólogos, historiadores, arquitectos,
urbanistas, entre outros. Assistimos nas últimas décadas a um alargamento significativo
do conceito de património cultural. A ideia de património estritamente focada nos
monumentos e sítios foi sendo abandonada, passando por um processo evolutivo
que introduz novas dimensões ou novos patrimónios. Por outro lado, ganhou
expressividade uma perspectiva antropológica da cultura, mais interessada nos
processos, em detrimento de uma visão centrada apenas nos objectos. Daqui
resulta uma definição de património que se constitui por um conjunto de
expressões, interligadas e complexas, apelando à diversidade cultural, da qual
o PCI é um dos elementos essenciais. Vários foram os termos utilizados ao longo
do tempo, alguns até com carácter pejorativo, mas a designação PCI ganhou
recentemente mais expressividade, sobretudo na esfera política, como conceito
operativo, introduzido pela UNESCO.
O
PCI compreende um conjunto diverso de expressões e tradições que as comunidades
e os grupos vão transmitindo de geração em geração, recriando-as ao sabor dos
tempos. Trata-se de um património vivo que se vai expressando através da
música, da dança, da oralidade, do teatro e dos objectos, fazendo parte de uma
complexa teia de valores, sistemas do conhecimento e saberes que estão associados
à vida humana. Considerado um pilar fundamental da diversidade cultural, o PCI
está na base da(s) identidade(s) das comunidades. No entanto, estes
conhecimentos raramente são documentados e, na maior parte das vezes, correm o
risco de se perder indelevelmente, tendo em conta que se encontram muito condicionados
pelos efeitos homogeneizadores da globalização. Este é um património que
importa salvaguardar de modo a que continue a ser praticado e transmitido no
seio das comunidades onde se insere. A par das preocupações vindas da
antropologia em resgatar os vestígios de uma sociedade cujas práticas sociais e
culturais tradicionais estão em vias de desaparecer e de um contexto político
preocupado com os efeitos da globalização, surgem algumas movimentações
relativamente à protecção deste património. A UNESCO tem preconizado muitas das
iniciativas que colocaram o tema do PCI na ordem do dia, alimentando a discussão
em torno da sua salvaguarda, dando-lhe assim amplo reconhecimento
internacional. Exemplo disso é o culminar de um longo caminho percorrido em
prol da protecção deste património, primeiro com a Recomendação para a Salvaguarda
da Cultura Tradicional e do Folclore, em 1989, e, mais recentemente, com a adopção da Convenção para a Salvaguarda do
Património Cultural Imaterial em 2003
(doravante Convenção de 2003). Esta Convenção vem reconhecer a
importância do PCI e completar, de certo modo, um espaço deixado pela Convenção
para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural de 1972 (doravante Convenção de 1972),
um instrumento jurídico mais direccionado para o património material.
Apesar
do seu relativo sucesso, se assim se pode dizer, a Convenção de 2003 tem
sido objecto de várias críticas. Muitos debates têm surgido em torno da sua
implementação e dos princípios que lhe estão adjacentes. Mas a verdade é que a
ratificação da Convenção pelos Estados-Partes, que actualmente já ultrapassa a
centena, obriga a uma reflexão que cada país terá que necessariamente fazer em
torno da formulação de políticas culturais de valorização do PCI. Afinal, essa
é uma consequência directa da aceitação deste documento normativo. Assim, tal
como a Convenção de 1972 viria a mudar indiscutivelmente o panorama
político de salvaguarda do património cultural, é comummente aceite que o mesmo
se passará com esta nova Convenção. A motivação para desenvolver este tema
nasce das interrogações que surgiram no decorrer do trabalho de campo realizado
no contexto de um projecto de dois anos que teve como objecto uma reflexão em
torno da salvaguarda do PCI. Deste projecto resultaram mais perguntas do que
respostas, às quais importava dar um sentido. Face à inexistência de um debate
profundo sobre esta matéria em Portugal e perante os desenvolvimentos
introduzidos pela UNESCO a propósito da Convenção de 2003 e respectiva
conjuntura actual, considerou-se oportuno aprofundar este tema e interligá-lo
com os museus. No que respeita à museologia, é conhecido o apoio do ICOM à Convenção
de 2003. Em documentos como a Carta de Shanghai (2002)
ou a Declaração
de Seoul (2004), o ICOM reconhece o papel dos museus na salvaguarda do
PCI». In Ana Carvalho, Os Museus e o Património Cultural Imaterial, Estratégias
para o desenvolvimento de boas práticas, Edições Colibri, CIDEHUS, Universidade
de Évora, 2011, ISBN 978-9879-689-169-5.
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