Quem
era Pedro Fernandes Queirós?
«(…)
As suas reflexões sobre o que pode observar em quatro ilhas meridionais do
arquipélago das Marquesas na viagem feita com Álvaro de Mendaña Neyra
contribuíram, sem dúvida, para a elaboração de tal projecto. Em sua defesa foi
de tal modo convincente que obteve os pareceres favoráveis de sábios notáveis
que se debruçaram sobre o projecto e documentos por ele apresentados, numa
reunião havida em Roma; a adesão do Embaixador de Espanha nessa cidade; a
atenção do papa, Clemente VIII, que o recebeu e o ouviu, atentamente, e não só
lhe prometeu todo o apoio como escreveu ao rei de Espanha, Filipe III,
aconselhando-o a dar tudo o que Queirós precisava para a tal descoberta,
demasiado importante para a Igreja católica e para a coroa espanhola. Filipe
III, ultrapassando o Conselho de Índias, órgão de Estado com a competência dos
assuntos relacionados com as Índias, ordenaria ao vice-rei do Peru que desse
satisfação aos pedidos de Queirós e, caso excepcional, tudo por conta da Fazenda
Real. A viagem de 1605-1606 com a descoberta e a observação de aspectos físicos e
humanos de uma vintena ilhas e, particularmente, da Austrialia del Espiritu Santo, que Queirós imaginou ser a
parte terminal de um esporão da Terra
Australis (afinal uma ilha grande de um arquipélago), o conhecimento de
representações idealísticas da parte
austral incógnita propostas por vários cartógrafos ilustres abriram os
caminhos para a construção das imagens descritas no seu Memorial ocho e também noutros enviados ao rei, da grandeza de las tierras nuevamente descubiertas
habitadas por milhões de almas carecidas de receberem a religião cristã,
libertando-as assim das unhas de Satanás,
terras abundantes em tudo, desde os produtos alimentares, dos reinos vegetal e
animal, às especiarias e às riquezas minerais, ouro e prata, e pérolas e muitas
outras coisas de valor. Impressiona a forma coerente das descrições assentes no
entrecruzamento da geografia com a história e a utopia. Esta sintetizada na
seguinte expressão do Memorial 53:
tengo descubierto un Paraiso terrenal que
deseo poblar de Angeles y de Santos y con ellos desde alli acabar de descubrir
y saber de cierto lo que es todo aquel resto del mundo.
Dos
seus Memoriales o que recebeu
o número 40, datável de Outubro de 1610
é, sem dúvida, o mais extenso e em escrita grandiloquente, que reúne tudo
quanto Queirós quis transmitir ao rei, sobre o que viu e sobre o que imaginou,
para conseguir que lhe fosse dada uma nova missão, depois da viagem de 1605-1606,
para a ocupação e o povoamento (colonização) das Tierras Australes. Tudo era imensidão, bom e farto de produtos dos.
três reinos da natureza, os habitantes eram fortes e belos prontos a receberem
a Fé, tudo descrito com a exuberância de uma imaginação fértil com base no que
pudera ver em partes de ilhas do sul do Pacífico, extrapolando para as míticas
terras austrais ainda por descobrir. Se nos seus Memoriales escritos em Madrid, depois da missão de 1605-1606,
reinam os pensamentos utópicos, em alguns relatos dessa expedição, sobretudo
nos de reconhecida autoria do seu secretário Luís Belmonte Bermúdez, Queirós é
retratado como um homem temeroso, mas também realista. Sirva de exemplo o
Relato datável de Julho de 1606, que
consta do Capítulo LXXII, intitulado Dicense
los latimosos discursos que hiso el capitán y otros para mitigar el dolor que
sintió por haber perdido el puerto ..., transcrito em Hist. Descubr., por Justo Zaragoza, na viagem de regresso às
terras americanas: sem ter descoberto a Terra
Australis, limitava-se a reconhecer que dejaba descubiertas tantas y tan buenas gentes y tierras, sin saber que
fin tenían, y una buena bahia y tan buen puerto dentro en ella; [...] y que todo esto era princípio con muy
grandes fundamentos para poblar y acabar de descubrir y saber todo cuanto
aquellas tierras contienen». In Ilídio Amaral, Pedro Fernandes de Queirós
ou Pedro Fernández de Quirós (1565-615), o Descobridor de ilhas, o Visionário
de um continente cheio de riquezas “en la parte Austral Incognita” e de
Projectos para a sua colonização: quando a História, a Geografia e a Utopia se
cruzam (séculos XVI-XVI), Edições Colibri, Lisboa, 2014, ISBN
978-989-689-446-7.
Cortesia
de EColibri/JDACT