sexta-feira, 6 de março de 2015

Rodrigues Brito. A Mutualidade de Serviços. O Solidarismo Krausiano. António Paulo Oliveira. «As Prelecções representam, da evolução filosófica de Rodrigues Brito e, por esse móbil, não podemos deixar de empreender alguns comentários sobre ela, como não podia deixar de ser, naquilo que Reis Marques…»

Cortesia de wikipedia

Considerações sobre a vida e obra de Rodrigues Brito
«(…) Martins Carvalho revela, sem precisar o sucesso, mas depreendemos nós que seja a propósito da Chorografia, que no princípio da sua carreira sofreu muito com a falsa apreciação que alguns indivíduos faziam dos seus conhecimentos. Essa injustiça amargurava-o extremamente, e levou-o, como em desafronta, a um estudo profundo da filosofia, em que chegou a ser eminente. Inocêncio Francisco Silva que, como constataremos, não chegou a compulsar a obra, asseverava que a obra tinha saído com várias incorrecções, que deram lugar a sérios reparos, dimanados ao que parece, da nímia confiança com que se dera crédito de verdadeiras a informações que estavam longe de o merecer, foi esta provavelmente a causa de serem recolhidos pelo mesmo autor os exemplares do seu opúsculo, ficando apenas alguns em poder de pessoas que antecipadamente os compraram. De uma, com quem se dá esse caso, houve eu as presentes explicações; não tendo aliás visto a obra, nem podendo por conseguinte aventurar a respeito dela algum juízo fundamentado. Ainda em relação à Chorographia, afiança-nos Brito Aranha que foi muito censurada na imprensa, e que deu lugar a cenas violentas e lastimáveis da parte de estudantes da Universidade, desgostando profundamente o autor. Esta ocorrência motivou a redacção duma carta endereçada a Inocêncio de que Aranha extractou o que se segue (…) fui encarregado pelo conselho superior (antigo conselho superior de instrução pública) daquele trabalho, e para o levar a efeito consultei umas obras impressas que pude alcançar, e procurei informações entre amigos e estranhos, que me pareceram habilitados para me as ministrar. A política porém influiu para que algumas não fossem verdadeiras e para que se fizessem pela imprensa alguns reparos. Muitos desses reparos foram exagerados (…). O que eu não queria era que confundissem o autor com a obra na mesma censura; e foi infelizmente o que fizeram. V. exª não imagina a tortura porque passei nessa ocasião (…). Não retirei os exemplares; foram distribuídos pelos assinantes e pelos amigos; o meu prólogo era a minha defesa, e eu esperava que homens imparciais me fariam um dia justiça à pessoa. Ainda assim, se a obra passou com alguns erros, não foram tantos como alguém pôde supor, e talvez muitos reparos foram devidos à má redacção (…).
Apenas três anos depois se nos deparam, no citado processo do Arquivo da Universidade, um conjunto de lições, quatro para se ser mais específico (a primeira de 8 e a última de 12 de Janeiro de 1853), que Brito entregou, devidamente redigidas, na secretaria da Universidade em 5 de Fevereiro do mesmo ano, nas quais faz o comentário dos parágrafos 32 e 33, que tratam da colisão das leis (esta compreende a colisão entre deveres morais, entre obrigações jurídicas, entre deveres morais e obrigações jurídicas e, enfimentre deveres morais e direitos) e da razão ou título do direito, do compêndio de Vicente Ferrer que era, como se sabe, o manual adoptado nas aulas de direito natural. Estas lições foram, recentemente, transcritas e comentadas por Mário Reis Marques. As Prelecções representam, estamos em crer, um primeiro momento, talvez um pouco incipiente, da evolução filosófica de Rodrigues Brito e, por esse móbil, não podemos deixar de empreender alguns comentários sobre ela, alicerçados, como não podia deixar de ser, naquilo que Reis Marques deixou já estampado. O compilador começa logo por fazer uma observação, ao leitor das Prelecções, nos seguintes termos: o manuscrito que agora se divulga é mais um contributo para o aprofundamento do pensamento de Vicente F. N. Paiva do que propriamente para o estudo do perfil teórico do seu discípulo Rodrigues Brito (…). O livro que serve de orientação aos alunos é o Elementos de direito natural ou de philosophia de direito (1844) de Vicente Ferrer, obra que viria a transformar-se num dos clássicos do pensamento jurídico português. Contudo, se é verdade aquilo que se abonou atrás, não existe menos certeza que nestas aulas encontramos alguns traços daquilo que irromperia como o pensamento específico de Rodrigues Brito e são, precisamente, esses vestígios que procuraremos pôr em relevo. Algumas das pistas para o encontro com a doutrina particular de Brito são fornecidos no próprio escólio do texto. Este chama-nos a atenção para o facto do filósofo dissolve[r] a condicionalidade krausista na sociedade e no Estado. Assim é, de facto, se atendermos às seguintes passagens, à sociedade é que o homem tem de se dirigir, para que lhe sejam fornecidas todas as condições de que precisa para o conseguimento dos seus fins racionais; ao Estado, incumbido de fazer a aplicação do Direito a todas as esferas da actividade humana, de manter o estado de Direito entre os homens, é que o pobre e o devedor se devem dirigir, para que lhe forneça as condições necessárias aos seus fins racionais». In António Paulo S. Dias Oliveira, Rodrigues de Brito, a Mutualidade de Serviços e o Solidarismo Krausiano, Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, DHAP, Faro, 2007.

Cortesia da U Algarve/JDACT