Considerações sobre a vida e obra de Rodrigues Brito
«(…) Martins Carvalho
revela, sem precisar o sucesso, mas depreendemos nós que seja a propósito da Chorografia…,
que no princípio da sua carreira sofreu
muito com a falsa apreciação que alguns indivíduos faziam dos seus
conhecimentos. Essa injustiça amargurava-o extremamente, e levou-o, como em
desafronta, a um estudo profundo da filosofia, em que chegou a ser eminente.
Inocêncio Francisco Silva que, como constataremos, não chegou a compulsar a
obra, asseverava que a obra tinha saído com
várias incorrecções, que deram lugar a sérios reparos, dimanados ao que parece,
da nímia confiança com que se dera crédito de verdadeiras a informações que
estavam longe de o merecer, foi esta provavelmente a causa de serem recolhidos
pelo mesmo autor os exemplares do seu opúsculo, ficando apenas alguns em poder
de pessoas que antecipadamente os compraram. De uma, com quem se dá esse caso,
houve eu as presentes explicações; não tendo aliás visto a obra, nem podendo
por conseguinte aventurar a respeito dela algum juízo fundamentado. Ainda
em relação à Chorographia, afiança-nos Brito Aranha que
foi muito censurada na imprensa, e que
deu lugar a cenas violentas e lastimáveis da parte de estudantes da
Universidade, desgostando profundamente o autor. Esta ocorrência motivou a
redacção duma carta endereçada a Inocêncio de que Aranha extractou o que se
segue (…) fui encarregado pelo conselho
superior (antigo conselho superior de instrução pública) daquele trabalho, e
para o levar a efeito consultei umas obras impressas que pude alcançar, e
procurei informações entre amigos e estranhos, que me pareceram habilitados
para me as ministrar. A política porém influiu para que algumas não fossem
verdadeiras e para que se fizessem pela imprensa alguns reparos. Muitos desses
reparos foram exagerados (…). O que eu não queria era que confundissem o autor
com a obra na mesma censura; e foi infelizmente o que fizeram. V. exª não imagina
a tortura porque passei nessa ocasião (…). Não retirei os exemplares; foram distribuídos
pelos assinantes e pelos amigos; o meu prólogo era a minha defesa, e eu esperava
que homens imparciais me fariam um dia justiça à pessoa. Ainda assim, se a obra
passou com alguns erros, não foram tantos como alguém pôde supor, e talvez muitos
reparos foram devidos à má redacção (…).
Apenas três anos depois se nos deparam, no citado processo do Arquivo
da Universidade, um conjunto de lições, quatro para se ser mais específico (a
primeira de 8 e a última de 12 de Janeiro de 1853), que Brito entregou,
devidamente redigidas, na secretaria da Universidade em 5 de Fevereiro do mesmo
ano, nas quais faz o comentário dos parágrafos 32 e 33, que tratam da colisão
das leis (esta compreende a colisão entre deveres morais, entre obrigações
jurídicas, entre deveres morais e obrigações jurídicas e, enfimentre deveres
morais e direitos) e da razão ou título do direito, do compêndio de Vicente
Ferrer que era, como se sabe, o manual adoptado nas aulas de direito natural.
Estas lições foram, recentemente, transcritas e comentadas por Mário Reis
Marques. As Prelecções representam, estamos em crer, um primeiro
momento, talvez um pouco incipiente, da evolução filosófica de Rodrigues Brito
e, por esse móbil, não podemos deixar de empreender alguns comentários sobre
ela, alicerçados, como não podia deixar de ser, naquilo que Reis Marques deixou
já estampado. O compilador começa logo por fazer uma observação, ao leitor das Prelecções,
nos seguintes termos: o manuscrito que
agora se divulga é mais um contributo para o aprofundamento do pensamento de
Vicente F. N. Paiva do que propriamente para o estudo do perfil teórico do seu
discípulo Rodrigues Brito (…). O livro que serve de orientação aos alunos é o Elementos de direito natural ou de
philosophia de direito (1844)
de Vicente Ferrer, obra que viria a transformar-se num dos clássicos do pensamento
jurídico português. Contudo, se é verdade aquilo que se abonou atrás, não
existe menos certeza que nestas aulas encontramos alguns traços daquilo que
irromperia como o pensamento específico de Rodrigues Brito e são, precisamente,
esses vestígios que procuraremos pôr em relevo. Algumas das pistas para o
encontro com a doutrina particular de Brito são fornecidos no próprio escólio
do texto. Este chama-nos a atenção para o facto do filósofo dissolve[r] a condicionalidade krausista na
sociedade e no Estado. Assim é, de facto, se atendermos às seguintes
passagens, à sociedade é que o homem tem
de se dirigir, para que lhe sejam fornecidas todas as condições de que precisa
para o conseguimento dos seus fins racionais; ao Estado, incumbido de fazer a
aplicação do Direito a todas as esferas da actividade humana, de manter o
estado de Direito entre os homens, é que o pobre e o devedor se devem dirigir,
para que lhe forneça as condições necessárias aos seus fins racionais». In
António Paulo S. Dias Oliveira, Rodrigues de Brito, a Mutualidade de Serviços e
o Solidarismo Krausiano, Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas
e Sociais, DHAP, Faro, 2007.
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