Sobre a data em que
São Teotónio morreu. O lapsus calami do
dia da semana. Os elementos cronológicos associados
«(…)
O último parágrafo da Vita Theotonii,
na parte que ainda não analisamos, fornece-nos um conjunto de dados
cronológicos associados à data em que São Teotónio morreu. Para a sua análise,
é suficiente o recurso à tradução em português: Foi sepultado no dia décimo
primeiro das mesmas calendas, no ano 56 do referido rei dom Afonso I de
Portugal, em cujo tempo recebeu a veste de Cristo, e no ano 35 do seu reinado.
Viveu em votos de vida regular trinta e um anos. Cumpriu o tempo inteiro da sua
vida, como ele referia, entre setenta e oitenta anos, segundo o padrão das
Escrituras. Considerando a morte de São Teotónio em 1162, Afonso Henriques teria então 56 anos, o que coloca a data do
seu nascimento em 1106. Contaria na
mesma altura 35 anos do governo iniciado em 1128, contando ambos os extremos. Os 31 anos de votos de vida
regular corresponderiam ao tempo de vivência em Santa Cruz, contando também
ambos os extremos, dado que a vida comunitária regular se iniciou em 24 de
Fevereiro de 1132. Teotónio seria
formalmente substituído, em 1162,
pelo seu sobrinho João Teotónio (1162-1181)
que ele associara, desde 1152, ao
governo da canónica. O período de trinta ou trinta e um anos, conforme se conte
os extremos, incluiria assim os dez partilhados com o sobrinho, que o aliviou
do peso do cargo no último decénio do priorado. A razão dessa delegação
encontra-se expressa no texto da Vita
Theotonii: Foi o caso que vinte e um anos após a sua entrada no
mosteiro começou a contrair uma prolongada enfermidade corporal. Como o
início da vida em comunidade foi em 1132,
em 1152 se iniciava o 21º ano. Tendo
Teotónio continuado a viver no mosteiro ao longo de dez anos que depois
ainda teve de vida, não se procedera, então, a nova eleição. É por este
motivo que, nesse decénio, muitos dos diplomas atribuem o título de Prior ora a
um ora ao outro dos Teotónios. Um manuscrito de Santa Cruz de finais do século
XIV, existente na Biblioteca Pública Municipal do Porto com o nº 53, refere a
sua eleição formal em 1162, conforme
se lê no fólio 75v: Anno ab Incarnatione Filii Dej MCLXII post mortem domni
Theotonij primi prioris, domnus Johannes in eius sede confirmatus est prior
secundus. Associa-se assim, de forma segura, a eleição de João Teotónio ao
mesmo ano da morte do primeiro prior.
A indicação da idade de São Teotónio entre os setenta e os
oitenta anos, cuja precisão se revelava uma questão pouco significativa,
corresponde aos quadros culturais próprios do homem e do clero medieval. Se
nasceu, como vulgarmente se aponta, em 1082,
seria realmente em 1162 que se
cumpriria aquela passagem da década dos setenta para a dos oitenta como, de uma
forma hábil (que me foi sugerida por Leontina Ventura), se poderá ler o texto
da Vita Theotonii. Mas a
verdade é que a data de nascimento é deduzida do próprio texto. Podemos
concluir, com excepção do dia da semana, que todos os dados cronológicos são
aceitáveis e concorrem para que São Teotónio tenha morrido em 1162.
Sobre a data de
canonização
Aires Nascimento fixou a data crítica de produção da Vita Theotonii entre a
data da morte de São Teotónio e a data da sua canonização, tendo obtido esta
data de um autor moderno já referido, Joaquim Encarnação, que foi cónego
regrante de Santa Cruz na segunda metade do séc. XVIII. Note-se que a data de
canonização, tal como este autor a refere, parece apresentar-se como uma data
induzida, pois diz-nos que a canonização se realizou na data do primeiro aniversário
da data em que faleceu: se junctaram um anno depois de sua morte, no seu
anniversario a 18 de Fevereiro, fosse de 1163 ou de 1167. A
hesitação quanto à data remete-nos para a pesquisa de outras fontes. Uma delas
é a incontornável Crónica da Ordem dos Cónegos Regrantes, publicada um
século antes, e que merece a pena reproduzir aqui: Vistos os muitos milagres
que o Santo fazia, & os que fez em sua vida, com a inquiriçaõ autentica,
que tambem tirou em Viseu o Bispo D. Odorio, da santa vida, & obras
mirauiljosass, que fez viuendo naquella Cidade, & aprouados os ditos
milagres pello Bispo de Coimbra D. Miguel, se ajuntaraõ em o Mosteiro de S.
Cruz o Arcebispo de Braga D. Ioaõ Peculiar, com os Bispos seus sufraganeos, a
saber: o Bispo de Coimbra jà dito; o Bispo do Porto D. Pedro Rabaldiz; o Bispo
de Viseu acima nomeado; & o Bispo de Lamego D. Mendo, todos irmãos, porque
todos eraõ Conegos professos do dito Mosteiro de Santa Cruz, & filhos do
Padre Santo Theotonio, & examinada com grande consideraçaõ a pureza da vida
do Santo Prior, & seus milagres, & sua gloriosa morte, inuocando
primeiro a graça do Espirito Santo, que nas Congregaçoens, & Synodos
Catholicos sempre assiste, à petiçaõ de todo o Clero, & Pouo de Coimbra,
& de Viseu, & de Leiria, & á instancia do grande Rey D. Affonso
Henriques, canonizou o Arcebispo Primàs de Braga como Metropolitano, juntamente
cõ os Bispos acima ditos ao glorioso Prior Theotonio em 18. de Fevereiro do
anno de 1163. dia do seu felice transito, cantandolhe em lugar do
Anniversario dos defuntos, a Missa dos Santos Confessores: os justi meditabitur
sapientiam, &c. Cõ grande gosto; & alegria vniuersal de todos os
presentes, & particularmente do glorioso Rey D. Affonso Henriques, &
dos Conegos do Mosteiro de S. Cruz, como mais interessados na honra, &
gloria de seu Santo Prior; a qual canonizaçaõ aprouou, & confirmou o Papa
Alexandre III. Vivae vocis oraculo». In Abel Estefânio, A Data de Nascimento de
Afonso I, Medievalista, nº 8, 2010, Instituto
de Estudos Medievais, direcção de José Mattoso, ISSN 1646-740X.
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