quarta-feira, 6 de maio de 2015

A Doença e as Mortes dos Reis e Rainhas na Dinastia de Bragança. José Barata. «A doença do rei era institucionalmente assumida como matéria de interesse publico, os seus estados mórbidos mereciam edição destacada na ‘Gazeta de Lisboa’»

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«A morte do rei constituiu, em todos os tempos, um fenómeno de grande impacto social e político, sobretudo se ocorria em circunstâncias trágicas ou se punha em risco o curso da história, como aconteceu nos casos de Sebastião I ou de Carlos I. A medicina prestou sempre grande atenção às figuras reais, sendo convocados os médicos mais conceituados do reino sempre que a doença ameaçava a integridade do monarca. Em cada época, os clínicos deram o seu melhor para mitigar o sofrimento da família real, com recurso às mais avançadas terapêuticas disponíveis, sendo pontualmente requisitada a colaboração de eminentes figuras médicas estrangeiras, quando se suspeitava da insuficiência científica dos clínicos nacionais. A dinastia de Bragança reinou em Portugal durante quase três séculos, entre 1640 e 1910, e por ela passaram 14 cabeças coroadas de ambos os sexos. Apanhada na transição da monarquia tradicional para os modelos liberais emanados da revolução francesa, a última casa reinante procurou adaptar-se à mudança, num percurso político-social conturbado, que incluiu massacres, revoluções, guerras civis, exílios e regicídios, tentado e consumado. Talvez por isso o espectro do sofrimento tenha estado sempre tão presente no seio desta família. A mortalidade infanto-juvenil marcou presença dramática e constante na marcha genealógica da dinastia. A morte precoce ceifou a vida à maioria dos varões primogénitos, príncipes herdeiros por direito, impedindo-os de atingir o trono. É a lendária Maldição dos Bragança, um tenebroso anátema lançado à família real por um frade mendicante a quem João IV terá recusado esmola. Apesar dos desvelados cuidados médicos de que foram alvo, apenas três monarcas brigantinos ultrapassaram os 60 anos de idade, atestando as conhecidas limitações da medicina de então. Os grandes flagelos da época como a sífilis, a tuberculose e a febre tifóide, mas também a patologia vascular cerebral, a loucura e a morte violenta atormentaram a última dinastia, cujo trono ruiu há 100 anos, como consequência indirecta do trágico fim do seu penúltimo caudilho. A doença do rei era institucionalmente assumida como matéria de interesse publico, pelo que os boletins clínicos relatando os seus estados mórbidos mereciam edição destacada na Gazeta de Lisboa. Tais registos representam hoje preciosos documentos para o estudo da história da medicina portuguesa.
A saúde da família real, enquanto assunto de estado, constituía também preocupação diplomática. A correspondência entre a corte e os embaixadores de Portugal acreditados nas diversas capitais da Europa de então, proporciona interessantes detalhes sobre a saúde do rei e da sua família. Reciprocamente, também as delegações estrangeiras representadas em Lisboa se apressavam a informar os seus governos, sempre que algum contratempo perturbava o bem estar do rei ou de algum importante membro da corte. Alguns médicos da real câmara tiveram a preocupação de editar para a posteridade curiosos e detalhados registos das observações clínicas e das terapêuticas aplicadas aos seus régios pacientes, recheados de pitorescos conceitos fisiopatológicos e de bizarros princípios farmacológicos, tão típicos da medicina pré-científica. A análise crítica, à luz documental, dos padecimentos dos diferentes monarcas de Bragança e das suas causas de morte confrontam-nos, de forma fascinante, com os mais avançados conhecimentos da medicina portuguesa de cada época, e com a progressiva evolução do saber médico. Se durante os séculos XVII e XVIII pontuam o empirismo da prática clínica e a ingenuidade das concepções nosológicas, no decurso do século XIX é já notória a preocupação com o rigor científico, procurando os clínicos objectivar, de forma racional, o curso da doença e as causas da morte». In José Barata, A Doença e as Mortes dos Reis e Rainhas na Dinastia de Bragança, Verso da Kapa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-840-654-5.

Cortesia de Verso Kapa/JDACT