Afonso VI, o rei das cinco esposas e duas concubinas (1073-1085)
«(…) O filho, o conde Rodrigo Muñiz, morreu na batalha de Zalaca (1086),
facto muito notório na época, e que foi muito sentido por Afonso XV. Se Jimena
era sua irmã é muito estranho que nenhuma fonte o mencionasse. É possível que a
confusão sobre a verdadeira linhagem de Jimena surgisse porque na época
em que nasceu existiam vários condes que tinham o nome Muño, do qual provém o
patronímico Muñiz. Daí que alguns historiadores tenham proposto até outras
hipóteses acerca das suas origens (a mãe de dona Teresa podia ter sido filha do
conde Muño Gonçalves de Cantabria; isto com base numa doação não menciona nem o
marido nem os seus filhos, do que se deduz que era celibatária; tem um irmão
chamado Muño Rodrigues, cuja filha, de nome Gontrodo e de sobrenome Mayor,
aparece casada, em 1113; será
justamente ao lado desta sobrinha que aparece Jimena a fazer outra doação em 1127, utilizando o título de infanta;
em qualquer dos casos, esta última hipótese choca com duas declarações feitas
anteriormente pela própria dona Teresa das quais se pode deduzir que a sua mãe
já tinha morrido).
As informações mais antigas relativas à união do rei com a mãe de dona Teresa
não foram escritas, paradoxalmente, na Península Ibérica, mas em França, por um
monge que cita na sua crónica os casamentos dos condes borguinhões com as
filhas do rei. Ao referir-se a dona Teresa, sem a nomear, diz que esta, nascida não do leito conjugal, casou com
Henrique, neto do duque Roberto da Borgonha. É provável que essa crónica tivesse
sido escrita por volta de 1110, isto
é, uns quinze anos depois do casamento de dona Teresa, ocorrido, segundo a
tradição, em 1095. O referido texto
pode ser considerado de confiança na medida em que o seu autor pretendia fazer
referência a factos relacionados com uma estirpe aparentada directamente com a
casa real do seu próprio país, tudo isso de forma fidedigna e pouco cortesã,
como demonstra a menção expressa da ilegitimidade do nascimento da mulher de um
príncipe pertencente a uma das mais nobres linhagens francas. Por volta de 1115, um monge anónimo de Sahagún, um
dos mosteiros mais próximos da família real leonesa, mencionaria o mesmo
assunto estritamente. Acima de tudo é de
saber que o rei dom Afonso, de nobre memória, enquanto ele viveu, de uma
rapariga, mas bem nobre, tinha gerado uma filha chamada Theresa...
A historiografia espanhola costuma considerar como fonte principal para
esta questão uma breve passagem da crónica do bispo Pelayo de Oviedo, escrita
por volta de 1130, talvez porque
este prelado foi contemporâneo dos factos e porque se trata da primeira que estabelece
a filiação materna de dona Teresa. Diz assim: ... teve o rei também duas concubinas, mas mui nobres: a primeira chamou-se
Jimena Muñiz, e foi mãe de Elvira [...]; e de Teresa, esposa do conde Henrique
(e depois rainha de Portugal). O referido texto gozou de alta credibilidade
relativamente ao assunto em questão, apesar de ter sido escrito numa época em
que o rei Afonso VII de Leão e Castela, sobrinho de dona Teresa, sofria com a
situação irreversível da separação dos territórios portugueses do seu império. Relativamente às origens da
primeira rainha de Portugal, também costuma ser citada uma fonte mais
longínqua dos acontecimentos, mas de comprovada credibilidade, a crónica
oficial do reinado de Afonso VII, que narra factos ocorridos até ao ano de 1147. Nela se conta que dona Teresa era
filha do rei Afonso VI, tida não com uma mulher legítima, mas antes com uma concubina mui amada pelo rei,
chamada Jimena Muñiz. Posteriormente, as raízes desta infanta seriam
compiladas de forma semelhante em todas as crónicas medievais espanholas, para
explicar os direitos de dona Teresa às terras portuguesas. Em qualquer dos
casos, estas fontes assinalarão de forma unânime as duas características
principais do seu nascimento, fora do casamento e proveniente de uma mãe de linhagem
nobre muito prestigiada, dona de alta
guisa.
As primeiras crónicas portuguesas, começando pela III e IV Crónicas Breves de
Coimbra, limitar-se-ão a fixar a sua filiação paterna, sem entrar na
questão das características do seu nascimento. Contudo, a filiação materna não
será ignorada pelos seus descendentes portugueses próximos. É o caso de um
documento datado em 1142, no qual a
infanta Sancha Henriques faz uma doação assinalando que possuía a herdade em
questão da sua avó, Jimena Muñiz, através da sua mãe, a rainha donaTeresa. Sintomaticamente,
a questão das origens da primeira rainha de Portugal, ou melhor, do tipo de
união que lhe tinha dado origem, começará a interessar no seu país quando os
Áustrias espanhóis se sentaram no trono daquele reino. Até o fino diplomata e
escritor André Resende, que serviu lealmente essa dinastia, na sua conhecida De
Antiquietatis Lusitaniae (1593), se manifestou ofendido pelo
facto de a mãe do primeiro rei de Portugal ser considerada ilegítima. Voltará a
aflorar-se o delicado assunto, com maior intensidade, nos finais do século XVII
e princípios do século XVIII, quase sempre motivado por causas políticas
alheias». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal,
Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008,
ISBN 978-989-626-119-1.
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