domingo, 24 de maio de 2015

A Primeira Rainha de Portugal. Dona Teresa. Marsilio Cassotti. «… será justamente ao lado desta sobrinha que aparece Jimena a fazer outra doação em 1127, utilizando o título de infanta; […] choca com duas declarações feitas anteriormente pela própria dona Teresa das quais se pode deduzir que a sua mãe já tinha morrido»

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Afonso VI, o rei das cinco esposas e duas concubinas (1073-1085)
«(…) O filho, o conde Rodrigo Muñiz, morreu na batalha de Zalaca (1086), facto muito notório na época, e que foi muito sentido por Afonso XV. Se Jimena era sua irmã é muito estranho que nenhuma fonte o mencionasse. É possível que a confusão sobre a verdadeira linhagem de Jimena surgisse porque na época em que nasceu existiam vários condes que tinham o nome Muño, do qual provém o patronímico Muñiz. Daí que alguns historiadores tenham proposto até outras hipóteses acerca das suas origens (a mãe de dona Teresa podia ter sido filha do conde Muño Gonçalves de Cantabria; isto com base numa doação não menciona nem o marido nem os seus filhos, do que se deduz que era celibatária; tem um irmão chamado Muño Rodrigues, cuja filha, de nome Gontrodo e de sobrenome Mayor, aparece casada, em 1113; será justamente ao lado desta sobrinha que aparece Jimena a fazer outra doação em 1127, utilizando o título de infanta; em qualquer dos casos, esta última hipótese choca com duas declarações feitas anteriormente pela própria dona Teresa das quais se pode deduzir que a sua mãe já tinha morrido).
As informações mais antigas relativas à união do rei com a mãe de dona Teresa não foram escritas, paradoxalmente, na Península Ibérica, mas em França, por um monge que cita na sua crónica os casamentos dos condes borguinhões com as filhas do rei. Ao referir-se a dona Teresa, sem a nomear, diz que esta, nascida não do leito conjugal, casou com Henrique, neto do duque Roberto da Borgonha. É provável que essa crónica tivesse sido escrita por volta de 1110, isto é, uns quinze anos depois do casamento de dona Teresa, ocorrido, segundo a tradição, em 1095. O referido texto pode ser considerado de confiança na medida em que o seu autor pretendia fazer referência a factos relacionados com uma estirpe aparentada directamente com a casa real do seu próprio país, tudo isso de forma fidedigna e pouco cortesã, como demonstra a menção expressa da ilegitimidade do nascimento da mulher de um príncipe pertencente a uma das mais nobres linhagens francas. Por volta de 1115, um monge anónimo de Sahagún, um dos mosteiros mais próximos da família real leonesa, mencionaria o mesmo assunto estritamente. Acima de tudo é de saber que o rei dom Afonso, de nobre memória, enquanto ele viveu, de uma rapariga, mas bem nobre, tinha gerado uma filha chamada Theresa...
A historiografia espanhola costuma considerar como fonte principal para esta questão uma breve passagem da crónica do bispo Pelayo de Oviedo, escrita por volta de 1130, talvez porque este prelado foi contemporâneo dos factos e porque se trata da primeira que estabelece a filiação materna de dona Teresa. Diz assim: ... teve o rei também duas concubinas, mas mui nobres: a primeira chamou-se Jimena Muñiz, e foi mãe de Elvira [...]; e de Teresa, esposa do conde Henrique (e depois rainha de Portugal). O referido texto gozou de alta credibilidade relativamente ao assunto em questão, apesar de ter sido escrito numa época em que o rei Afonso VII de Leão e Castela, sobrinho de dona Teresa, sofria com a situação irreversível da separação dos territórios portugueses do seu império. Relativamente às origens da primeira rainha de Portugal, também costuma ser citada uma fonte mais longínqua dos acontecimentos, mas de comprovada credibilidade, a crónica oficial do reinado de Afonso VII, que narra factos ocorridos até ao ano de 1147. Nela se conta que dona Teresa era filha do rei Afonso VI, tida não com uma mulher legítima, mas antes com uma concubina mui amada pelo rei, chamada Jimena Muñiz. Posteriormente, as raízes desta infanta seriam compiladas de forma semelhante em todas as crónicas medievais espanholas, para explicar os direitos de dona Teresa às terras portuguesas. Em qualquer dos casos, estas fontes assinalarão de forma unânime as duas características principais do seu nascimento, fora do casamento e proveniente de uma mãe de linhagem nobre muito prestigiada, dona de alta guisa.
As primeiras crónicas portuguesas, começando pela III e IV Crónicas Breves de Coimbra, limitar-se-ão a fixar a sua filiação paterna, sem entrar na questão das características do seu nascimento. Contudo, a filiação materna não será ignorada pelos seus descendentes portugueses próximos. É o caso de um documento datado em 1142, no qual a infanta Sancha Henriques faz uma doação assinalando que possuía a herdade em questão da sua avó, Jimena Muñiz, através da sua mãe, a rainha donaTeresa. Sintomaticamente, a questão das origens da primeira rainha de Portugal, ou melhor, do tipo de união que lhe tinha dado origem, começará a interessar no seu país quando os Áustrias espanhóis se sentaram no trono daquele reino. Até o fino diplomata e escritor André Resende, que serviu lealmente essa dinastia, na sua conhecida De Antiquietatis Lusitaniae (1593), se manifestou ofendido pelo facto de a mãe do primeiro rei de Portugal ser considerada ilegítima. Voltará a aflorar-se o delicado assunto, com maior intensidade, nos finais do século XVII e princípios do século XVIII, quase sempre motivado por causas políticas alheias». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT