quinta-feira, 28 de maio de 2015

Afonso Peres Farinha Miguel G Martins. «Os Hospitalários fazem a sua entrada na Península Ibérica através do reino de Aragão, a partir de onde iniciam a sua expansão em direcção a ocidente, chegando a Portugal, tudo o indica, entre 1125 e 1128…»

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De Jerusalém à margem esquerda do Guadiana
«Por alturas de 1278, em data próxima da conclusão das obras de construção do novo edifício da igreja de Vera Cruz de Marmelar, situado nas imediações da vila alentejana de Portel, o freire hospitalário Afonso Peres Farinha, então com perto de 60 anos de idade, ordenava a colocação de uma lápide numa das paredes daquele templo. Na longa inscrição que ostentava e que o próprio mandara gravar, recordava-se, para a posteridade, não apenas o seu papel como fundador dessa igreja, mas também alguns dos momentos mais significativos da sua vida atribulada e plena de aventuras, boa parte das quais vividas ao serviço da Ordem do Hospital. As origens desta Ordem Militar remontam aos finais do século XI, embora a sua existência enquanto organização seja apenas datável de 1113, ano em que recebe a protecção da Santa Sé através da bula Piae Postulatio Voluntatis, de Pascoal II. Contudo, nesta altura, a Ordem possuía ainda uma faceta exclusivamente assistencial, dedicando-se sobretudo à prestação de cuidados sanitários aos peregrinos que se dirigiam a Jerusalém, vindo a adquirir a sua vertente militar apenas alguns anos depois. De facto, a circunstância de ter iniciado a construção, em 1128, do castelo de Calansue e o facto de ter sido encarregada pelo rei de Jerusalém, em 1136 ou 1137, da defesa do castelo de Bethgibelin, no sul da Palestina, tal como a referência à existência, em 1126, ao condestável da Ordem, afiguram-se como sinais indesmentíveis de que, a partir de meados da década de 1120, possuía já um elevado grau de militarização.
Os Hospitalários fazem a sua entrada na Península Ibérica através do reino de Aragão, a partir de onde iniciam a sua expansão em direcção a ocidente, chegando a Portugal, tudo o indica, entre 1125 e 1128, embora a primeira referência segura e inequívoca à sua presença date apenas de 1132. Mas ao contrário da sua congénere do Templo, a Ordem do Hospital foi praticamente esquecida pela monarquia portuguesa até ao reinado de Sancho I, muito provavelmente porque, nos teatros de operações ocidentais, ao contrário do que sucedera na Palestina, o seu processo de militarização foi consideravelmente mais lento, não se encontrando concluído antes de finais do século XII. É, precisamente nessa altura que os Hospitalários começam a desempenhar, em território português, as primeiras missões de natureza bélica: em 1189, participando no cerco de Silves e, em 1194, através do início das obras de edificação do castelo de Belver, finalizadas pouco antes de 1210. Localizado dentro dos limites da herdade de Guidintesta, entregue por Sancho I precisamente com a condição de aí ser erguida uma fortaleza, convertia-se assim no primeiro de um vasto conjunto de castelos erguidos e/ou defendidos pela Ordem. Não são abundantes as informações respeitantes ao papel desempenhado pelos Hospitalários durante os primeiros anos do século XIII na progressão das forças cristãs para sul, sabendo-se apenas que em 1217 integraram a hoste mobilizada para o cerco a Alcácer. Ainda assim, é natural que tenham protagonizado outras acções de índole ofensiva, pois em 1224 recebem de Sancho II, em recompensa pelos serviços prestados, mas também pelos que haveriam de prestar, o castelo transmontano de Algoso, implantado também numa outra zona de grande importância estratégica, a da fronteira leonesa. A Ordem edifica ainda uma nova fortificação no Crato, numa região doada também pel'O Capelo, em Março de 1232, e que estaria concluída, tudo o indica, antes de 1248. Esta doação, vizinha da herdade de Guidintesta, alargava, assim, o senhorio beirão da Ordem do Hospital para sul do Tejo, região para onde havia já começado a estender os seus domínios, a partir de 1226, através da conquista dos castelos e vilas de Mourão, Moura e Serpa, na margem esquerda do Guadiana, precisamente onde, alguns anos mais tarde, iremos encontrar Afonso Peres Farinha.

Um escudo e uma lança
A fazer fé na lápide a que atrás nos referimos, Afonso Peres terá nascido, em altura próxima de 1218, no seio de uma família nobre de cavaleiros oriunda da zona de Coimbra. Segundo o Livro de Linhagens do conde D. Pedro, era bisneto de Gonçalo Dias Góis, O Cid, alcaide de Coimbra em 1129-1148 e participante na Batalha de Ourique, neto de Salvador Gonçalves e um dos muitos filhos de Pedro Salvadores Góis e de Maria Nunes Esposade. Com boa parte do património familiar concentrado precisamente em Góis, na região de Coimbra, foi aos bens que possuíam na povoação de Farinha Podre que alguns dos filhos de Pedro Salvadores e de Maria Nunes, Vasco Peres, Afonso Peres, João Peres e Teresa Peres, foram buscar o apelido Farinha. Aliás, é mesmo possível que aí tenham nascido, ao contrário dos restantes, Sancha Peres, Maria Peres, Elvira Peres, Teresa Peres, Urraca Peres, Margarida Peres e Estêvão Peres, que optariam por manter o apelido de Góis». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT