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Antes, porém, devemos dizer duas palavras acerca do termo gótico aplicado à
arte francesa que impôs as suas directrizes a todas as produções da Idade Média
e cuja irradiação se estende dos séculos XII a XIV(?). Alguns pretenderam erradamente
que provinha dos Godos, antigo povo da Germânia; outros julgaram que se chamava
assim a esta forma de arte, cujas originalidade e extrema singularidade
provocavam escândalo nos séculos XVII e XVIII, por zombaria, atribuindo-lhe o
sentido de bárbaro: tal é a opinião da escola clássica, imbuída dos princípios
decadentes do renascimento. A verdade, que sai da boca do povo, no entanto, manteve
e conservou a expressão arte gótica, apesar dos esforços da Academia para
substituí-la por arte ogival. Há ainda a razão obscura que deveria obrigar a reflectir
os nossos linguistas, sempre à espreita das etimologias. Qual a razão por que
tão poucos lexicólogos acertaram? Simplesmente porque a explicação deve ser antes
procurada na origem cabalística da palavra, mais do que na sua raiz literal. Alguns autores perspicazes
e menos superficiais, espantados pela semelhança que existe entre gótico e goético
pensaram que devia haver uma estreita relação entre a arte gótica e a arte
goética ou mágica. Para nós, arte gótica é apenas uma deformação ortográfica da
palavra argótica cuja homofonia é perfeita, de acordo com a lei fonética que
rege, em todas as línguas, sem ter em conta a ortografia, a cabala tradicional.
A catedral é uma obra de art goth ou
de argot. Ora, os dicionários definem
o argot como sendo uma linguagem particular a todos os
indivíduos que têm interesse em comunicar os seus pensamentos sem serem
compreendidos pelos que os rodeiam. É, pois, uma cabala falada. Os argotiers, os que utilizam essa
linguagem, são descendentes herméticos dos argonautas, que viajavam no navio Argo,
falavam a língua argótica, a nossa língua verde, navegando em direcção às margens
afortunadas de colcos para conquistarem o famoso Tosão de ouro. Ainda hoje se
diz de um homem inteligente mas também muito astuto: ele sabe tudo, entende o argot. Todos os iniciados se exprimiam
em argot, tanto os vagabundos da Corte dos Milagres, com o poeta Villon à
cabeça, como os Frimasons ou franco-mações da Idade Média, hospedeiros do bom Deus, que edificaram as obras-primas argóticas
que hoje admiramos. Eles próprios, estes nautas construtores, conheciam a rota
do Jardim das Hespérides...
Ainda
nos nossos dias os humildes, os miseráveis, os desprezados, os insubmissos,
ávidos de liberdade e de independência, os proscritos, os errantes e os nómadas
falam argot, esse dialecto maldito,
banido da alta sociedade, dos nobres que o são tão pouco, dos burgueses
satisfeitos e bem pensantes, espojados no arminho da sua ignorância e da sua
presunção. O argot permanece a
linguagem de uma minoria de indivíduos vivendo à margem das leis estabelecidas,
das convenções, dos hábitos, do protocolo, aos quais se aplica o epíteto de adio(?) e, mais expressivo ainda, de
Filhos ou Descendentes do Sol. A arte gótica é, com efeito, a art got, a arte da Luz ou do Espírito.
Pensar-se-á que são apenas simples logos de palavras. E nós concordamos de boa
vontade. O essencial é que guiem a nossa fé para uma certeza, para a verdade positiva
e científica, chave do mistério religioso, e que não a manteriam errante no
labirinto caprichoso da imaginação. Aqui em baixo não existe acaso, nem coincidência,
nem relação fortuita; tudo está previsto, ordenado, regulado e não nos pertence
modificar a nosso bel-prazer a, vontade imperscrutável do Destino. Se o sentido
usual das palavras nos não permite qualquer descoberta capaz de nos elevar, de
nos instruir, de nos aproximar do Criador, o vocabulário torna-se inútil. O verbo,
que assegura ao homem a incontestável superioridade, a soberania que ele possui
sobre tudo o que vive, perde a sua nobreza, a sua grandeza, a sua beleza e não
é mais do que uma aflitiva vaidade. Ora, a língua, instrumento do espírito,
vive por ela própria, embora não seja mais do que o reflexo da ideia universal».
In
Fulcanelli, 1926, Le Mystère des Cathédrales, 1964, O Mistério das Catedrais,
Interpretação Esotérica dos símbolos herméticos, Edições 70, colecção Esfinge,
1975.
Cortesia
E70/JDACT