A Herança d’O Bolonhês
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Ventos e casamentos
Encerrado mais este episódio e quase como se nada tivesse acontecido,
as relações entre o rei e o infante retomaram, pelo menos na aparência, uma
certa normalidade, o que também se percebe pelo facto de Afonso voltar a assumir, talvez a partir de 1290, a tenência da terra
da Guarda. E não deixa de ser interessante que este regresso tenha lugar numa
altura em Dinis I tinha já procedido, em 1287-1288, à extinção do regime
administrativo das tenências, situação que levou a que muitos ricos-homens se
sentissem profundamente atacados nos seus privilégios e certamente que também
nos seus rendimentos, pese embora a circunstância de o infante até nem ter sido
particularmente lesado, porquanto continuará, numa situação verdadeiramente
excepcional, a ostentar o título de tenente da Guarda pelo menos até, 1293. Contudo, em inícios da década de 1290, será precisamente Afonso a encabeçar, com Nuno Gonçalves
Cogominho e outros ricos-homens e fidalgos, uma ampla frente de nobres que,
mais uma vez, se manifesta contra as dificuldades económicas e financeiras por
que continuavam a passar e que tinham levado à ausência massiva da alta nobreza
da campanha de 1281 contra
Castelo de Vide. Alegavam que são
minguados muito e pobres e privados das possessões e das heranças de suas
avoengas, acrescentando que, por isso, não podiam viver no reino nem servir
o rei, tão bem nem tão honradamente como
serviram os fidalgos e as outras gentes que foram ante eles. Em suma, não
tinham forma de cumprir as suas obrigações militares do mesmo modo que haviam
feito os seus antepassados. Esta queixa, que, ao mesmo tempo, não deixava de
constituir uma ameaça e uma forma de pressão junto da Coroa, acabou por se
apresentar como um óptimo pretexto para o rei retomar uma política de
desamortização que interessava particularmente à monarquia, mas também à
nobreza. De facto, tanto a um como à outra importava impedir as instituições
religiosas de continuar a aumentar o seu património fundiário em prejuízo da
monarquia e da nobreza laica, um processo que o rei conseguiu inverter graças à
Lei de Desamortização,
publicada em 1291. Mais difícil é
descortinar em que medida aquelas dificuldades financeiras eram reais ou se,
pelo contrário, não passavam de argumentos esgrimidos pelos nobres para obterem
maiores benefícios da Coroa, embora não seja difícil vislumbrar aí uma reacção
às inquirições gerais ordenadas tanto por Afonso III como por Dinis I que podem,
realmente, ter trazido uma quebra de rendimentos a muitos dos visados por esses
inquéritos ao património. Para além disso, como bem sublinhou José Augusto Pizarro,
o processo de expansão senhorial havia atingido o seu limite no reinado d'O Bolonhês, pelo que é possível que alguns
dos fidalgos começassem realmente a sentir problemas de ordem económica e
financeira. E não deixa de ser interessante o facto de ser o infante um dos
principais proponentes dessa petição feita ao rei e que este, de bom grado,
aceitou. É mesmo possível que este protagonismo junto da grande nobreza do
reino, de que foi um dos porta-voz, o tenha convencido de um eventual aumento
do seu prestígio e da sua influência.
Ainda assim, isso em nada parece ter contribuído para afastar o infante
do seu irmão. Aliás, é muito possível até que tenha existido uma maior
aproximação entre ambos por alturas de 1295-1296, quando Dinis I apoiou o
infante castelhano Juan nas suas pretensões à Coroa de Leão. Com efeito,
esse apoio beneficiaria indirectamente Afonso,
pois uma das suas filhas, dona Isabel, estava casada precisamente com o filho
de Juan, pelo que se o projecto de revolta contra o jovem Fernando IV
resultasse, o senhor de Portalegre poderia ver a sua filha, futuramente,
converter-se na rainha de Leão». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros
Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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