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É então na sequência da viuvez, e liberta de preocupações quanto ao futuro das
suas meninas, que dona Brites emerge desse quase anonimato, revelando as
qualidades e aptidões que detinha, até aí ocultas- Ora, se as filhas trilhavam
já caminhos que lhes haviam sido destinados e não exigiam, de momento,
particulares desvelos, havia que velar pelos varões, ainda de menor idade, que
iriam herdar a casa e dona Brites não iria delegar essa competência a outrem.
Também assim o entendeu Afonso V que, por carta dada a l0 de Outubro desse
mesmo ano de 1470, lhe concederia a curadoria e tutoria dos filhos, considerando
nom
aver hii pessoa que tamta rrazom amor e afeiçam deua nem posse teer carreguo
delles e dos feitos e cousas a elles tocamtes, autorizando-a a gouernar
e aministrar a elles seus beens e cousas e pessoas e que lhe pertencerem como
milhor ouuer e lhe perecer (...) sem embarguo de quaasquer lex canónicas ciuees
groses e openiõoes de doutores hordenaçõoes façanhas ou costumes de nossos
regnos, ou seja, o monarca assinava a possibilidade de dona Brites se
tornar a verdadeira gestora da casa senhorial: do património e de uma corte que
já se divisava como alternativa.
O seu
primogénito, João, herdou a casa e
os títulos do pai. Foi, portanto, 2.ºduque de Beja e 3.º duque de Viseu,
fronteiro de Entre Tejo e Guadiana e reino do Algarve, mestre das ordens de
Cristo e de Santiago, condestável de Portugal, senhor da Covilhã, de Moura e
das ilhas atlânticas. O rei iria ainda fazer-lhe mercê da cidade de Anafé, com
toda a jurisdição e senhorios, apenes com ressalva das alçadas.
Mas,
prudentemente, dona Brites, prevenindo um qualquer desaire que roubasse a vida
ao jovem duque, obteve de Afonso V uma carta dada em Lisboa, a 14 de Agosto
de 1471, que, com dispensa da Lei
Mental, permitia a sucessão na pessoa do filho seguinte, caso João falecesse sem deixar descendência.
Não se contentou a duquesa com a mercê régia e de novo solicitou, e foi-lhe
deferida, por carta dada no Porto, a 7 de Agosto de 1476, a extensão da sucessão aos restantes filhos, considerada a
ordem cronológica dos seus nascimentos.
Tivera
razão a duquesa, nas suas preocupações! João
iria, de facto, ter uma curta vida. Tal como o diploma obtido previa,
seguiu-se-lhe Diogo, como 4.º duque
de Viseu e 3.º duque de Beja. Porém, não seria contemplado como o irmão. O
cargo de condestável seria então outorgado a seu primo, João, marquês de
Montemor, cargo de há muito ambicionado pela Casa de Bragança, que se
reclamava herdeira directa de Nuno Álvares Pereira. Perderia também o mestrado
de Santiago que Afonso V entregou a seu filho, o príncipe João, adentro
de uma política de concentração do poder, determinação que não teria agradado a
dona Brites, que tentou, desta vez sem êxito, obter o mestrado de Avis, detido
também por João, para seu filho Manuel. Argumentou a duquesa que a
concessão do mestrado a João, agora
João II, ocorrera num tempo em que ereasomente príncipe, pelo que não seria
curial continuar a detê-lo. Mas estava-se já noutra era e a dona Brites foi-lhe
negada mais esta pretensão, escusando-se, habilmente, o monarca com o
depauperamento do reino.
Todavia,
não foi recusado o governo da Ordem de Cristo a Diogo, governo aliás delegado a sua mãe, dada a menoridade
do titular, pela bula Nuper carisimo, de Sisto IV datada
de 19 de Junho de 1475. Dona
Brites não se limitou então a aguardar a maturidade do filho, empenhando-se directamente
na governação da Ordem, como aliás o havia feito, em relação à Ordem de
Santiago, ao tempo detida por seu filho João,
que contaria apenas cerca de 13 anos. Assim, considerando que no cartório faltava
documentação que convinha deter, nomeadamente quanto a constituições, enviou a
Badajoz frei Pedro Abreu, vigário da ordem de Cristo, a fim de obter cópias das
directrizes em vigor no reino vizinho». In Maria Odete Sequeira Martins, D. Brites (Beatriz).
1429-1506, Mulher de Ferro, Quidnovi, 2011, Via do Conde, ISBN
978-989-554-789-0.
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