terça-feira, 26 de maio de 2015

O Pecado Espanhol. Carlota Joaquina. Marsilio Cassotti. «Durante a inauguração da estátua equestre do rei José I no terreiro do paço em Lisboa, ocorreu um atentado contra o ministro que desde 1769 ostentava o título de marquês de Pombal»

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Ninguém sabe mentir tão elegantemente como a rainha (1775-1780
«(…) A favor do nascimento de dona Carlota Joaquina em El Pardo poderia citar-se, também, em função da forma como são interpretados, dois documentos mais antigos e certamente autênticos. Segundo está registado no Libro de Acuerdos do ano de 1775 da cidade de Úbeda, a 9 de Abril desse ano o notário municipal escreveu: ..neste cabido viu-se uma Real Cédula de Sua Majestade assinada pela sua real mão em Aranjuez no primeiro do corrente e ratificada por Josef Ignacio Goyeneche seu secretário, na qual se faz presente que a Sereníssima Princesa se encontra perto de entrar nos nove meses da sua gravidez e encarrega que se ofereçam as devidas graças a Deus Nosso Senhor implorando com fervorosas orações a continuação de suas soberanas piedades para que conceda um feliz parto. Era costume que os monarcas espanhóis escrevessem às câmaras solicitando este tipo de pedidos quando uma rainha ou uma princesa das Astúrias estavam perto de dar à luz. Neste caso, as preocupações do rei Carlos III seriam maiores do que as habituais, porque o seu filho, o príncipe das Astúrias, já estava casado há dez anos e até ao momento a sua mulher só tinha tido um filho, um varão que tinha morrido há um ano. O segundo documento, de 23 de Maio de 1775, diz o seguinte: neste cabido, viu-se uma Real carta de sua Majestade assinada pela sua real mão e ratificada em Aranjuez a treze do corrente por Josef Ignacio Goyeneche seu secretário, pela qual se manifestava o feliz parto da sereníssima princesa das Astúrias nossa senhora. Se levarmos em consideração a data em que o rei assina a segunda real cédula, em Aranjuez, ou seja, a l3 de Maio, e a data de nascimento de Carlota Joaquina, em relação à qual todas as fontes estão de acordo, e que é 25 de Abril, torna-se um tanto excessiva a demora com que o rei deu às câmaras conhecimento dos acontecimentos que esperava ansiosamente, sobretudo porque se havia algo que caracterizava este monarca era o seu fiel cumprimento, não apenas em espírito, mas também das formas, do que era o desempenho das suas funções como rei. A não ser que o parto tenha acontecido em El Pardo e a notícia não tenha sido transmitida imediatamente a Aranjuez, porque dona Maria Luísa sabia que não era a que o sogro esperava.
Através de uma carta do embaixador de França muito posterior a estes acontecimentos, sabe-se que uma vez a princesa das Astúrias solicitou ao sogro que a eximisse de acompanhar o rei e a corte para onde estes viajavam. A princesa alegava estar grávida de seis meses, e dava como razão do seu pedido os inconvenientes que esta viagem poderia acarretar para o seu filho. Neste caso, o rei disse que não ao pedido da nora. Mas nesta altura já tinha  passado quase doze anos desde o nascimento de Carlota Joaquina e Maria Luísa já tinha tido filhos varões. Assim, é provável que durante as primeiras gravidezes da princesa o rei Carlos III tivesse sido menos rigoroso, levado pela necessidade de ter um neto varão, e para isso terá dado mais importância à intuição materna da nora, tendo-a deixado permanecer em El Pardo enquanto a corte viajava para Aranjuez. Apenas um mês depois de ter nascido dona Carlota, exactamente a 6 de Junho de 1775, teve lugar em Portugal um acontecimento que não passou despercebido na corte espanhola.
Durante a inauguração da estátua equestre do rei José I no terreiro do paço em Lisboa, ocorreu um atentado contra o ministro que desde 1769 ostentava o título de marquês de Pombal. Um acto que, embora não tenha acabado com a vida do principal adversário dos matrimónios dinásticos com Espanha, era um indício de que a sua grande influência sobre o rei de Portugal tinha chegado a um momento crítico e podia terminar de um momento para o outro. No dia 9 do Outubro seguinte, o suposto criminoso foi executado, talvez como demonstração de que, se o marquês tinha os dias contados, não iria ser por isso que deixaria de usar os drásticos métodos que sempre tinha usado para impor a sua ideia de justiça. Os descontentes que ansiavam pela sua queda, a começar por quase todas as mulheres da família real, voltaram a considerar que somente a morte do monarca os poderia salvar. Uma possibilidade que se tornou mais real em finais de 1776, quando o rei ficou gravemente doente». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.

Cortesia EdosLivros/JDACT