Ninguém
sabe mentir tão elegantemente como a rainha (1775-1780
«(…)
A favor do nascimento de dona Carlota Joaquina em El Pardo poderia citar-se,
também, em função da forma como são interpretados, dois documentos mais antigos
e certamente autênticos. Segundo está registado no Libro de Acuerdos do ano
de 1775 da cidade de Úbeda, a 9 de
Abril desse ano o notário municipal escreveu: ..neste cabido viu-se uma Real
Cédula de Sua Majestade assinada pela sua real mão em Aranjuez no primeiro do
corrente e ratificada por Josef Ignacio Goyeneche seu secretário, na qual se
faz presente que a Sereníssima Princesa se encontra perto de entrar nos nove
meses da sua gravidez e encarrega que se ofereçam as devidas graças a Deus
Nosso Senhor implorando com fervorosas orações a continuação de suas soberanas piedades
para que conceda um feliz parto. Era costume que os monarcas espanhóis
escrevessem às câmaras solicitando este tipo de pedidos quando uma rainha ou
uma princesa das Astúrias estavam perto de dar à luz. Neste caso, as preocupações
do rei Carlos III seriam maiores do que as habituais, porque o seu filho, o
príncipe das Astúrias, já estava casado há dez anos e até ao momento a sua mulher
só tinha tido um filho, um varão que tinha morrido há um ano. O segundo
documento, de 23 de Maio de 1775,
diz o seguinte: neste cabido, viu-se uma Real carta de sua Majestade assinada
pela sua real mão e ratificada em Aranjuez a treze do corrente por Josef Ignacio
Goyeneche seu secretário, pela qual se manifestava o feliz parto da sereníssima
princesa das Astúrias nossa senhora. Se levarmos em consideração a data em que
o rei assina a segunda real cédula, em Aranjuez, ou seja, a l3 de Maio, e a
data de nascimento de Carlota Joaquina, em relação à qual todas as fontes estão
de acordo, e que é 25 de Abril, torna-se um tanto excessiva a demora com que o
rei deu às câmaras conhecimento dos acontecimentos que esperava ansiosamente,
sobretudo porque se havia algo que caracterizava este monarca era o seu fiel
cumprimento, não apenas em espírito, mas também das formas, do que era o
desempenho das suas funções como rei. A não ser que o parto tenha acontecido em
El Pardo e a notícia não tenha sido transmitida imediatamente a Aranjuez,
porque dona Maria Luísa sabia que não era a que o sogro esperava.
Através
de uma carta do embaixador de França muito posterior a estes acontecimentos,
sabe-se que uma vez a princesa das Astúrias solicitou ao sogro que a eximisse
de acompanhar o rei e a corte para onde estes viajavam. A princesa alegava
estar grávida de seis meses, e dava como razão do seu pedido os inconvenientes
que esta viagem poderia acarretar para o seu filho. Neste caso, o rei disse que
não ao pedido da nora. Mas nesta altura já tinha passado quase doze anos desde o nascimento de
Carlota Joaquina e Maria Luísa já tinha tido filhos varões. Assim, é provável que
durante as primeiras gravidezes da princesa o rei Carlos III tivesse sido menos
rigoroso, levado pela necessidade de ter um neto varão, e para isso terá dado
mais importância à intuição materna da nora, tendo-a deixado permanecer em El
Pardo enquanto a corte viajava para Aranjuez. Apenas um mês depois de ter
nascido dona Carlota, exactamente a 6 de Junho de 1775, teve lugar em Portugal um acontecimento que não passou
despercebido na corte espanhola.
Durante
a inauguração da estátua equestre do rei José I no terreiro do paço em Lisboa, ocorreu um atentado contra o ministro que
desde 1769 ostentava o título de
marquês de Pombal. Um acto que, embora não tenha acabado com a vida do
principal adversário dos matrimónios dinásticos com Espanha, era um indício de
que a sua grande influência sobre o rei de Portugal tinha chegado a um momento
crítico e podia terminar de um momento para o outro. No dia 9 do Outubro
seguinte, o suposto criminoso foi executado, talvez como demonstração de que, se
o marquês tinha os dias contados, não iria ser por isso que deixaria de usar os
drásticos métodos que sempre tinha usado para impor a sua ideia de justiça. Os
descontentes que ansiavam pela sua queda, a começar por quase todas as mulheres
da família real, voltaram a considerar que somente a morte do monarca os
poderia salvar. Uma possibilidade que se tornou mais real em finais de 1776, quando o rei ficou gravemente
doente». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de
João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.
Cortesia
EdosLivros/JDACT