As três colunas da Cultura Portuguesa. Entrevista com António Cândido
Franco
«(…) Oponhamos ao catolicismo,
não a indiferença ou uma fria negação, mas a ardente afirmação da alma nova, a
consciência livre, a contemplação directa do divino pelo humano (isto é, a fusão do divino e do humano), a filosofia,
a ciência, e a crença no progresso, na renovação incessante da humanidade pelos
recursos inesgotáveis do seu pensamento, sempre inspirado. In Antero
de Quental
Paulo A. Loução: Conferências do Casino que chegam a ser
proibidas...
António C. Franco: Chegam,
mas a derrota não vem daí; vem, porque, vinte anos depois, os do Casino olham
para trás e percebem que o Portugal de 1890
já não era o de 1870; as ideias da
geração de 70, que são as do Antero nas Causas da Decadência dos Povos
Peninsulares, não se aplicam já à situação de 1890. É assim que os vejo vencidos. Há portanto uma desistência
daquela geração, ou então o penoso, mas útil, refazer de todo o caminho
anterior. Por exemplo, Eça de Queiroz, que acabara de escrever Os Maias em 1888 e que escrevera antes O
Crime do Padre Amaro, A Capital, O Primo BasíIio, A Relíquia, livros de
uma grande agressividade contra a sociedade portuguesa, passa a escrever livros
que são o elogio descarado dessa mesma sociedade, A Cidade e as Serras e A Ilustre Casa de Ramires.
Paulo: Mas A Cidade e as Serras é um livro que tem uma crítica à civilização
do Ocidente que se mantém actualíssima. No plano ecológico parece-me quase
profético.
António: Tem uma crítica a
Paris e tem um elogio à sociedade rural portuguesa, que era então, desde
Methuen, a mais característica. A geração de 70, quando aparece, nas
Conferências, faz uma critica crua e desapiedada à sociedade portuguesa; com o
romance, o verso ou o ensaio eles pretendem atingir as instituições reguladoras
do poder social da época; o altar, o trono e a finança. O que vale a pena
sublinhar é a infidelidade do último Eça, como de resto do segundo Junqueiro, a
este programa de trabalhos, que era o mais típico da geração.
Paulo: A Queda de um Anjo, por
exemplo...
António: O Camilo apanha por
ricochete.
Paulo: O Conde de Abranhos de Eça de Queiroz…
António: Exactamente, é, a crítica
da classe política, são etapas, é uma geração muito agressiva contra as
características portuguesas, desde a classe política ao clero, passando pela
burguesia da baixa lisboeta e por outros sectores, muitas vezes populares.
Quando Eça escreve A Cidade e as Serras
e a Civilização, o conto que está na origem de A Cidade e as Serras, o
que pretende fazer é o elogio da sociedade portuguesa e das suas características
mais marcantes e diferenciadoras. Inverte cento e oitenta graus a teoria que
defendia nos anos anteriores! É, por isso, um Vencido da Vida, mesmo com todo o
amuo irónico que possa caber na expressão. O Fialho dizia que os Vencidos da
Vida nada mais eram que um bando de ratões jantantes. É possível que sim.
Aqueles jantares de cartola e fraque não deviam ser muito mais que uma ida ao
Grandela. O que importa reter é o seguinte: a geração de 70 está de mal com Portugal
por ser uma sociedade demasiado ruralizada; as acusações são sempre contra uma
urbanização insuficiente. Eis a geração de 70 na sua pureza mais crua». In
Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições & Multimédia, 2004,
ISBN 972-8605-15-3.
Cortesia de Ésquilo/JDACT