Maio
«(…) São todos assim, os turistas: quando caem na praia, quedam-se por
lá a torrar, que nem uns lagartos, alguns já não fazem mais nada, outros ainda
se metem por essas estradas velhas, a papar
igrejas e castelos. Em fato de banho, de sol a sol, e partir de Abril. Rica
vida, para quem goste, que eu, não posso dizer como o meu pai que nunca molho
as ceroulas, porque não uso tal coisa, mas também não me encanta esfriar os ossos
no mar, desta maneira. Ainda num desses dias de muita calma, vá que não vá.
Agora, lá que gosto de ver, gosto! Como nessa primeira tarde em que elas, logo
que chegámos à praia de Armação, se puseram ali nuazinhas, quase à minha vista,
com umas toalhas por diante, e, ala!, foram correndo, meter-se dentro das ondas
e por ali andaram brincando, enroscadas, cobertas de espuma, até não poderem
mais. Deixaram-se cair na areia quente, eu a fumar um cigarro, pensando nas
vias diferentes que a gente tem, conforme se nasce aqui ou acolá, cheio de dinheiro
ou sem dinheiro, e a mirar as pernas da mais nova, com magotes de pêlos loiros
por fora do maillot, junto das
virilhas, coisa que a ela tanto se lhe dá como se lhe deu... Nem a incomodava
nem a lisonjeava que eu reparasse nisso e noutras intimidades que também amostra
com a mesma indiferença.
Mas depois o caso mudou. Se mudou! À volta é que começaram a falar mais
comigo, perguntando os nomes das árvores e se as figueiras eram todas assim,
pequenas e ramalhudas, de saia até ao chão, e quando é que as amendoeiras estavam
mesmo em flor, se ficavam brancas ou cor-de-rosa. E como é que as pessoas
viviam. Se o trabalho compensava? E que não era justo, está claro, pagarem-se
salários tão baixos. Que no resto do mundo, hoje em dia... Pois, pois... Todos
dizem o mesmo, fartinho estou eu de lhes ouvir esta cantilena. Mas quem é que
faz alguma coisa por nós?! Admiram-se, criticam e afirmam que estão inteiramente
do nosso lado, mas vá de comerem ricos bifes e beberem o nosso bom vinho, que
até chegam, eles e elas, a levarem as garrafas para o quarto, com o fito de
dormirem melhor uns com os outros, digo eu cá na minha... E a gente que
continue a amolar-se. Não estará certo, eles o dizem, mas fazem bem as
digestões: é vê-los, todos regalados, besuntados com óleos, aqui estiraçados
nas nossas praias, d barriga para o ar. E o indígena a olhá-los do alto das
arribas, apertando o cinto, a cobiçar-lhes as máquinas fotográficas, os colchões
de borracha, o tabaco perfumado e algumas vezes as mulheres, quando são dessas
parisienses de bikini preto como a
roupa de baixo, mulheres que põem qualquer homem de cabeça à roda. Que as bifas tirante uma ou outra, já
parecem velhas mesmo em novas e são todas escamosas, cor de camarão, com pernas
de gafanhoto: não lhes vejo jeito de o próprio diabo as querer». In
Urbano Tavares Rodrigues, Imitação da Felicidade, Publicações Europa-América,
Mem Martins, colecção Século XX, 1988.
Cortesia de PEA/JDACT