domingo, 24 de maio de 2015

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Este entrelaçamento, certamente único no género, de duas províncias eclesiásticas em dois países vizinhos era o resultado dos acontecimentos sucedidos no tempo de Diogo de Compostela...»

jdact

Alexandre III
«(…) Então, o bispo de Lisboa, Álvaro, acompanhou também o cardeal à Galiza e encontrou-se lá com o arcebispo de Compostela; sem dúvida prestou-lhe então obediência por indicação de Jacinto (no diploma de Jacinto em Yepes aparecem lado a lado o arcebispo Pedro de Compostela e o bispo Álvaro, assim se deve emendar o António da impressão, de Lisboa; o facto do bispo Álvaro ter prestado obediência é abonado por Pott, embora sem indicação de data). O ponto de viste do cardeal quanto ao bispado de Évora, que ficava longe do seu caminho e certamente não visitou, não sabemos qual tenha sido, mas em princípio não pode ter sido diferente do de Lisboa. Aqui manteve-se Jacinto pois apegado ao ponto de vista jurídico, que abandonara na questão da primazia; o sul de Portugal, pertencente à antiga Lusitânia, devia pertencer à metrópole leonesa, Compostela. Tal maneira de proceder parece à primeira vista inconsequente ou mesmo contra toda a razão, Desde sempre que a divisão eclesiástica devia acompanhar a divisão política, adaptando-se a ela mais ou menos. Se Portugal era agora estado independente, e a metrópole portuguesa possuía reconhecidamente os mesmos direitos que as vizinhas, devia-se esperar também que todas as dioceses portuguesas fossem adstritas à metrópole portuguesa. Mais impressionante se torna a situação, se lançarmos um olhar sobre o mapa: Santiago de Compostela, situado ao Norte de Portugal, ficava separado das dioceses portugueses do Sul por meio de todo o conjunto da província eclesiástica de Braga. Mas o problema toma logo outro aspecto, se considerarmos o outro lado da questão: também, precisamente o coração do reino leonês, toda a Galiza pertencia à província eclesiástica de Braga, metrópole portuguesa, e de todos os bispados leoneses, só os três do sul, Salamanca, Ciudad Rodrigo e Coria, pertenciam à metrópole nacional. Este entrelaçamento, certamente único no género, de duas províncias eclesiásticas em dois países vizinhos era o resultado dos acontecimentos sucedidos no tempo de Diogo de Compostela e só assim compreensíveis; mas, por fim, da necessidade se fez virtude. Do lado da Cúria continuou naturalmente o esforço de evitar tanto quanto possível litígios entre os príncipes cristãos que deviam lutar conjuntamente contra o Islão.
Se tal não podia acontecer sob o domínio dum só, era de tentar consegui-lo pela ligação, tão estreita quanto possível, dos estados em tudo possuidores de iguais direitos. Uma grande parte de Leão sob a metrópole portuguesa, uma grande parte de Portugal sob a metrópole leonesa, esta situação dificultava naturalmente a ambos os reis guerrearem-se mutuamente, sem contudo agora fazer perigar a independência de Portugal. Alguns anos antes concluíra-se de facto paz entre ambas as terras, graças à magnanimidade de Fernando de Leão para com o rei de Portugal aprisionado por ele, paz que na primeira grande crise, a invasão moura do ano de 1184, deu bons resultados, levando os dois reis a combaterem juntos contra os infiéis. Dar forma duradoira a esta paz e além disso sancionar a sobreposição das duas províncias eclesiásticas, tal deve ter sido a ideia do cardeal Jacinto, que, no conjunto, provou ser realizável». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do BIAlemão/JDACT