O
sudário intemporal
«(…) Theo substituiu depois o
método tradicional de datação pelo carbono 14, utilizando um processo bastante
mais destro, o espectroscópio de massa, que permitia contar realmente os átomos
um por um. Por este método, tinha estimado a data das carótidas de gelo, retiradas
de dentro da calota da Gronelândia, com uma excelência de precisão que atingia
os cem mil anos. Esta última técnica de medição tornara-o célebre e, mais tarde
ou mais cedo, valer-lhe-ia um Prémio Nobel da Física. Com uma serenidade
imperturbável, esperava esta distinção, por si próprio considerada como bem
merecida. Assim, por três vezes sucessivas, lançou-se ao assalto do tempo e,
por três vezes, superou o desafio. Hoje, o sentimento que o assola é o de que
lhe está destinado um desafio ainda mais importante: a investigação da
eternidade, que não é tempo indefinidamente prolongado, mas o contrário, a
ausência de tempo. Como medir uma grandeza
inexistente? Começava a ter uma ideia a tal respeito. Consultou o
relógio. Esperava há um quarto de hora. Era o bastante para poder censurar o
seu irmão e a sua irmã pelo atraso. Era inútil amesquinharem-se com desculpas.
Na verdade, faziam-no perder o seu tempo. Os nervos apoderavam-se dele. Pouco
faltava para que bocejasse. Passeou-se pela galeria das fotografias e
identificou Burt Lancaster, Gary Cooper e Clark Gable, apesar da juventude
deles. Havia uma fotografia recente, colorida, de Mikhail Gorbachev. Foi aos
lavabos e deixou correr a água que saía da torneira sobre as mãos húmidas.
Regressou ao seu lugar, amaldiçoando-se por não ter levado consigo algo para
ler, nem que fosse um jornal. Pôs-se a suspirar e a analisar a frequência e a
amplitude dos seus suspiros. Estava realmente enfadado. O tempo parecia
alongar-se. Só então reparou que estava calor e a atmosfera era pesada. A
tempestade que ameaçava, desde a véspera, ainda não se tinha manifestado verdadeiramente.
Alguns pingos de chuva tinham caído, coagulando no solo a poeira das ruas. Mas
a atmosfera continuava empestada, mistura perversa de escape, de partículas
fedorentas e de odores humanos. Através da cortina agitada pelo vento outonal,
volvia os olhos para o exterior. Um táxi abeirou-se do passeio. Colombe descia
e debruçava-se sobre o condutor, não para lhe pagar, mas para o beijar. Após um
verdadeiro percurso de resistente, Colombe tinha desembarcado no aeroporto de
Fiumicino, cerca das dez horas da manhã. O avião, que deveria tê-la
transportado de São Francisco a Nova Iorque, não levantou voo. No último
minuto, transferiram-na para outro voo. As bagagens não tinham seguido. Por
essa razão, tinha tido problemas com a segurança no Aeroporto Kennedy. Os
nervos não a deixaram dormir e, ao desembarcar em Roma, tomou conhecimento de que
os bagageiros e os condutores de táxi estavam em greve. Decididamente, o mundo
da tecnologia também sofria de incoerência: os técnicos eram capazes de
construir aviões que atravessavam o Atlântico sem cair, mas não conseguiam
organizar os transportes de Fiumicino a Roma. À chegada, não demorou a sufocar
na atmosfera húmida e no ar poluído. A arquitectura sinistra do aeroporto
evocava as inquietudes espirituais do arquitecto, sofredor sem dúvida de
neurastenia incurável, própria dos povos do sol. Colombe teve a impressão de
penetrar como um anjo num quadro de De Chirico e de não mais poder
libertar-se. Sentia-se indisposta: Paolo
já tinha chegado? Colombe teria gostado de viver estes momentos de
expectativa sem ter de se ocupar dos registos de bagagens. Mas no mundo em que via,
assoberbado pelos problemas de gestão, já não havia lugar para a tragédia ou
para a comédia. Depois de duas horas de enervamento, tendo já recuperado as
suas bagagens, aproximou-se da alfândega, não sem inquietude: estaria alguém do outro lado?
Paolo era tão distraído e inconsequente. Como amar os que são incapazes de
amar? Se ele não estivesse à sua espera, tinham mesmo de se zangar. Se ela se zangasse,
ele mostraria vontade de a deixar. Ela cederia. Paolo ganharia um acréscimo de
ascendente cometendo uma infracção. Com ele, a única regra do jogo era: o
prémio cabe ao batoteiro.
Seguiu pela porta verde, que
dizia: Nada a declarar. Sob esta inscrição, percebeu, de repente, que já
não amava Paolo, que nunca o havia amado, que se entregava à comédia da ânsia
amorosa para fingir uma afeição que já não sentia. Paolo resumia-se a um corpo
de que ela se sentia faminta. Nada mais havia de sublime na sua
condescendência, para além disto. Não, na verdade, nada tinha a declarar. Com
efeito, ali estava ele, tranquilo, bronzeado, o olhar distante e logo depois
iluminado, apercebendo-se dela com uma fingida paixão, como faziam os maus actores
da Cinecittà nos seus filmes históricos. O que havia de mais irritante
nos seus estratagemas era o exagero da sua afectação permanente para melhor
poder dissimular. Onde se escondia a sua sinceridade, se é que ela existia, em
que região profunda do seu subconsciente? Só os sentimentos confusos afloravam,
aqueles que os outros dissimulavam e que escondiam ainda mais fundo, ao
simularem mascará-los. Colombe parecia uma cebola: ao expurgar uma ilusão, descobria
uma outra ilusão, que escondia uma outra ainda». In Jacques Neirynck, Le manuscrit
du Saint-Sépulcre, O Manuscrito do Santo Sepulcro, Pocket, 2006, ISBN
9878-226-615-536-6.
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