Renees-le-Château. 11 de Novembro de 1888
«(…) Agora
sentia-se plena, feliz. Nunca ninguém tinha feito amor com ela assim. O próprio
Bérenger não parecia o mesmo homem. Ao longo de quatro horas, tinha-a arrastado
de prazer em prazer, de deleite em deleite. O que é que lhe teria acontecido
para ter mudado tanto? Marie ainda se recordava das carícias inexperientes das
suas mãos, essas mesmas mãos que hoje lhe tinham aberto as portas da voluptuosidade.
Teria conhecido outra mulher? Voltou a olhá-lo, procurando uma resposta no seu
rosto adormecido, galhardo e sensual. Ai, meu amor, pensou, qual será o teu
segredo? O que é que querem de ti? Ameaçaram-me para que fosse tua amante...
Mas eu já não te poderei fazer mal, embora me façam mal a mim. É demasiado tarde.
Amo-te..., amo-te. Abraçou-o. Ele deixou-se abraçar. O torpor durou até baterem
à porta. Bérenger ficou lívido. Já vou!, gritou. Um momento! Sussurrou a Marie:
não saias daqui. Seria um horror, se o surpreendessem. Vestiu-se a toda a
pressa, passou a mão pelo cabelo, fechou a porta do quarto e precipitou-se para
a entrada. Já cá estou, disse abrindo a porta. Ficou estupefacto. O homem que
tinha diante de si parecia saído de um conto de fadas. Alto, magro, branco e
louro, ataviado com um elegante fato de cavaleiro e calçado com botas de couro
cru. Tinha os lábios delicados, os olhos nostálgicos e sonhadores. Todo ele era
uma estampa de nobreza.
Bons dias,
padre, disse, com um sotaque particular. O
senhor é o abade Saunière? O próprio. Um sorriso iluminou o rosto do
visitante, que tirou o chapéu e fez uma vénia. É um prazer conhecer um partidário
dos reis. Quem é o senhor? Chamo-me
Guillaume. Posso entrar? Gostaria de falar com o senhor sobre um assunto
importante. Faça favor, respondeu Bérenger afastando-se. Logo a seguir deu um
grito. Agora me lembro! É o amigo de monsieur
Yesolot, falou-me do senhor a primeira vez que nos encontrámos. É ele quem me
manda. Bérenger sorriu, mas o seu coração começou a palpitar. Olhou pelo canto
do olho para a escada que conduzia à alcova. As roupas de Marie ainda jaziam
desordenadas diante da chaminé. Sentiu o rubor no rosto e pegou no visitante
pelo braço, conduziu-o até, uma cadeira voltada para a janela. Sente-se... Um
copo de vinho...? Com todo o gosto!, respondeu o outro, deixando-se cair na cadeira.
Bérenger
atirou-se aos saiotes, apanhou-os de relance e enrodilhou-os com o vestido. Sem
se deter para reflectir, atirou a roupa para dentro de uma arca e rodou sobre
si mesmo, pegou na garrafa e nos copos, e foi ter com o visitante. O estranho
desabotoou o casaco com parcimónia. A sua fronte altiva, os seus olhos
sonhadores, todo o seu rosto transmitia majestade e gentileza. Uma medalha
brilhou-lhe sobre a camisa, quando abriu as golas para se pôr à vontade. O
relâmpago apanhou o olhar de Bérenger... Não era uma medalha. Era uma pequena
caixa de ouro redonda, protegida por um vidro e engastada num círculo de cobre
onde estavam gravados vários signos. A letra grega Tau, a cruz suástica, um quarto crescente e um S. É o AOR, disse Guillaume, ao notar o seu olhar. Venho de
Paray-le-Monial (centro esotérico cristão fundado pelos seguidores do reverendo
padre Drévon, em 1875).
O AOR era a
primeira palavra do Génesis. Paray-le-Monial, a capital do reino do Sagrado
Coração. Bérenger estava perplexo. O que é que aquele homem quereria dele?
Trazia-lhe uma doação, como Elias tinha dito? O AOR é o fogo essencial, disse
Guillaume, a origem da luz e da destruição universal. Mas embora o traga
comigo, não tenho más intenções. Pertenço a Deus e a Jesus Cristo, vivo pela
eucaristia e para a eucaristia». In Jean-Michel Thibaux, O Mistério do
Priorado de Sião, Rennes-le-Chatêau, 1888, 2004, tradução de Jorge Fallorca, A
Esfera dos Livros, 2006, ISBN 989-626-019-2.
Cortesia de
ELivros/JDACT