«(…) Uma das facetas
mais significativas dos primeiros anos post-28 de Maio reside não só no relevo
de novo concedido, pela oposição republicana, ao papel que a propaganda
politica e ideológica deve desempenhar no seu combate pelo derrube da Ditadura
e dos grupos sociais que sustentam, mas, e sobretudo, no conteúdo da mensagem
veiculada por essa propaganda. Digamos que, genericamente, a estratégia dos
diversos sectores oposicionistas exige a movimentação de três importantes
peças: a manobra politica tendente a desagregar a mal cimentada facção da
classe dominante que se encontra instalada no poder; a revolta armada,
englobando militares democráticos e civis; e o apostolado, através da imprensa
e dos centros e ligas republicanos, dos princípios do liberalismo e da
democracia representativa, herdados das gerações mais progressivas do século
anterior. Apostolado que é, essencialmente, antimonárquico e anticlerical.
O jornal Liberdade (publica-se pela primeira vez em 27
de Maio de 1928, tendo como director
e editor Virgílio Marinha Campos e como redactor João Carlos Nordeste. António
José Almeida foi convidado para redigir o primeiro editorial, no qual diz, a
dada altura: encontramo-nos envolvidos num lance calamitoso, e que o é
sobretudo pela confusão das ideias e pela conturbação dos sentimentos. [...]
Como sair dele? Só há um processo: disciplinar o pensamento político português), entre outras virtudes, tem a
de ser um paradigma. Por sintetizar, de 1928 a 1932 (o Liberdade reflecte
uma interessante evolução ideológica dos seus colaboradores. Numa fase inicial,
de 1928
a 1930, a tónica é colocada na apologia da obra realizada pela
República, contrapondo a esta obra benéfica a acção perniciosa dos monárquicos
e dos jesuítas; numa segunda fase, de 1930
até finais de 1932, começa a ser
dada uma particular atenção às relações entre o operariado e a República. Por
fim, de 1933 a 1935, o Liberdade
adquire uma feição progressivamente marxista, predominando a aspiração de levar a toda a parte onde se sofre, onde se
vive inconscientemente, a nossa palavra entusiasta, propagandeando o credo
nobilíssimo da emancipação humana, como declara Virgílio Marinha Campos no
n.° 189, de 12 de Janeiro de 1933,
o primeiro que ostenta a designação de Semanário
Republicano de Esquerda), uma maneira de ser e de se conceber (quando a
Liberdade apareceu,
foi acusada de avançada e de revolucionária. [...] Pois agora há quem a acuse
de conservadora e reacionária; é certo que ainda não defendeu a supressão do
capital, nem a divisão das terras pelos seus leitores; mas, enfim, tem
defendido a República, a Liberdade, a Democracia, o Livre-Pensamento, o Estado
laico, o aproveitamento obrigatório da propriedade rústica ou a sua alienação, uma
mais equitativa remuneração do trabalho e os seguros sociais e tem combatido a
reacção política, o clericalismo, a superstição, a guerra, a iniquidade de
certas desigualdades económicas, o retrocesso no pensamento ou na acção; chamem-lhe
nomes, a Liberdade prosseguirá).
Por congregar, lado a
lado e em ideal camaradagem, velhos e novos republicanos, irmanados na
convicção de que, enquanto a academia e a República se derem as mãos, a Pátria não morrerá. Por, finalmente,
assumindo-se embora como jornal académico
republicano, ter privilegiado a luta pela República, secundarizando a
existência da academia, excepto quando esta se torna elemento indispensável do
jogo político. Quando, no início do ano lectivo de 1930-31, as eleições nas
três associações académicas do País são ganhas por estudantes republicanos,
pensa-se que uma irresistível onda de espírito democrático está em formação nas
profundezas do descontentamento popular. Quando, entre Abril e Maio de 1931, se agitam bandeiras vermelhas nas
faculdades (sobretudo a partir de 1929,
começa a fazer-se notar no meio universitário a influência da Juventude
Comunista; sobre este fenómeno, J. Arsénio Nunes, sobre alguns aspectos da evolução do Partido Comunista Português após a
reorganização de 1929 (1931-33), in Análise Social), olhos postos no
exemplo oriundo da Madeira (a propósito dos acontecimentos de 1931 escutemos o testemunho de um
protagonista, Vasco Gama Fernandes, então estudante da Faculdade de Direito de
Lisboa: Era aliciante e em cheio a minha actividade: estudava como podia,
tomava parte em reuniões públicas, uma delas no Centro Republicano António José
Almeida, sob a presidência de Norton Matos [...] conspirava com estranhos e com
companheiros da Faculdade [...] empenhados na organização dum Batalhão
Académico [...] foi precisamente nessa ocasião que se deu a revolta da Madeira
e nos Açores, com implicações frustes em Angola e na Guiné; oficiais
republicanos, deportados nas ilhas, sob o comando do impoluto general Sousa
Dias, ocuparam as posições estratégicas e aliciaram o entusiasmo das
populações. Dado que a revolução não era secundada, como era de esperar, na
metrópole, os rapazes do batalhão e outros poucos romperam no assalto à
Faculdade de Direito, invadiram as suas salas, despejaram as carteiras pela
janela, fizeram frente a dois ou três reaccionários mais decididos e,
perseguidos pela polícia, entrincheiraram-se na Faculdade de Medicina [...], in
Gama Fernandes, Depoimento Inacabado, Lisboa), corações alvoraçados
pelas notícias trazidas de Espanha (sobre o papel desempenhado pelos estudantes
no processo que conduziu à implantação da República em Espanha, em 1931), acredita-se que um retorno
rápido à República liberal e parlamentar pertence ao universo dos possíveis.
Quando, por fim, a derrota das ilusões se abate sobre a academia, é um pouco
como se um tempo que teimava em não passar acabasse por morrer. Quanto ao
futuro..., ele irá estar nas mãos de outras vanguardas, portadoras de outras
concepções do mundo, de outras formas de actuar, quer na academia, quer na
sociedade». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos
Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento
Estudantil, Análise Social, vol.
XIX, 1983.
Cortesia de Análise
Social/JDACT