quinta-feira, 30 de julho de 2015

Quando o Cuco Chama. Robert Galbraith. «Porque morreste quando os cordeiros nasciam? Devias ter morrido quando as maçãs caíam, quando o gafanhoto corre perigo, e são restolho empapado os campos de trigo. E todos os ventos suspiram…»

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«Porque nasceste quando a neve tombava?
Devias ter vindo quando o cuco chamava.
Ou quando as uvas estão verdes nas vinhas
ou pelo menos quando as lestas andorinhas
voam para escapar
ao verão a acabar.

Porque morreste quando os cordeiros nasciam?
Devias ter morrido quando as maçãs caíam,
quando o gafanhoto corre perigo,
e são restolho empapado os campos de trigo.
E todos os ventos suspiram
pelas doces coisas que agonizam».
In Christina Rossetti, A Dirge

«Embora os vinte e cinco anos da vida de Robin Ellacott já tivessem tido os seus momentos de drama e de acontecimentos especiais, nunca antes ela tinha acordado com a certeza de que viria a recordar o dia que aí vinha para toda a vida. Pouco depois da meia-noite, o seu namorado de longa data, Matthew, tinha-a pedido em casamento por baixo da estátua de Eros, no meio de Piccadilly Circus. No alívio estonteado que se seguiu à aceitação dela, ele confessou que tinha planeado fazer-lhe o pedido no restaurante tailandês onde tinham jantado, mas que não tinha contado com o casal silencioso na mesa ao lado, que passara o tempo a escutar a conversa deles. Por isso, ele sugeriu um passeio pelas ruas no escuro, apesar dos protestos de Robin de que ambos precisavam de se levantar cedo, e finalmente a inspiração apoderou-se dele e conduziu-a, perplexa, aos degraus da estátua. Aí, atirando a discrição ao vento gélido (de uma maneira que não era nada típica dele), pediu-a em casamento, de joelho no chão, em frente a três sem-abrigo encolhidos nos degraus a partilhar o que parecia ser uma garrafa de álcool etílico.
Tinha sido, na opinião de Robin, o pedido de casamento mais perfeito de toda a história do matrimónio. Ele até tinha um anel no bolso, que ela usava agora; tinha uma safira e dois diamantes, servia-lhe na perfeição e durante todo o caminho até ao centro foi a fitá-lo na mão pousada no regaço. Ela e Matthew tinham agora uma história para contar, uma história de família engraçada, do tipo que se contava aos filhos, na qual os planos dele (ela adorava que ele tivesse feito planos) saíam furados e se transformavam em algo espontâneo. Ela adorava os vagabundos e a lua, e Matthew, em pânico e nervoso, de joelho no chão; adorava Eros e a velha e suja Piccadilly e o táxi preto que tinham apanhado para casa, para Clapham. De facto, não estava longe de adorar toda a cidade de Londres, que até àquela altura não a tinha ainda convencido, ao fim de um mês a viver lá. Até os passageiros macilentos e mal-encarados, apertados à sua volta na carruagem do metro, estavam banhados pela luz radiante do anel; e quando saiu para a luz do dia gélido de Março na estação de metro de Tottenham Court Road, acariciou a parte de baixo do anel de platina com o polegar e sentiu uma explosão de felicidade ao pensar que talvez comprasse umas revistas de noivas à hora do almoço.
Olhares masculinos demoravam-se nela enquanto abria caminho por entre as obras que estavam a decorrer no topo de Oxford Street, consultando um pedaço de papel que segurava na mão direita. Robin era, por quaisquer padrões, uma rapariga bonita; alta e bem feita, com cabelo louro arruivado que ondulava com as suas passadas rápidas, e com o ar frio a dar cor às suas faces pálidas. Este era o primeiro dia de uma colocação como secretária por uma semana. Robin fazia trabalhos temporários desde que tinha vindo viver com Matthew em Londres, embora não por muito mais tempo; já tinha aquilo a que chamava entrevistas a sério marcadas. Muitas vezes, o maior desafio destes trabalhos ocasionais pouco inspiradores era encontrar os escritórios. Londres, depois da pequena cidade no condado de York que ela deixara, parecia vasta, complexa e impenetrável. Matthew tinha-lhe dito para não andar pelas ruas com o nariz enfiado no roteiro da cidade, porque a faria parecer uma turista e a tornaria mais vulnerável; por isso, na maior parte das vezes ela guiava-se por mapas mal desenhados que alguém na agência de trabalho temporário lhe fazia. Não estava convencida de que essa atitude lhe desse o ar de uma londrina de gema». In Robert Galbraith, Quando o Cuco Chama, tradução de Ana Saldanha, Maria Segurado e Rita Figueiredo, Editorial Presença, 2013, ISBN 978-972-235-153-9.

Cortesia da EPresença/JDACT