«Porque nasceste quando a neve tombava?
Devias ter vindo quando o cuco
chamava.
Ou quando as uvas estão verdes
nas vinhas
ou pelo menos quando as lestas
andorinhas
voam para escapar
ao verão a acabar.
Porque morreste quando os cordeiros
nasciam?
Devias ter morrido quando as maçãs
caíam,
quando o gafanhoto corre perigo,
e são restolho empapado os campos
de trigo.
E todos os ventos suspiram
pelas doces coisas que agonizam».
In
Christina Rossetti, A Dirge
«Embora os vinte e cinco anos da vida
de Robin Ellacott já tivessem tido os seus momentos de drama e de acontecimentos
especiais, nunca antes ela tinha acordado com a certeza de que viria a recordar
o dia que aí vinha para toda a vida. Pouco depois da meia-noite, o seu namorado
de longa data, Matthew, tinha-a pedido em casamento por baixo da estátua de Eros,
no meio de Piccadilly Circus. No alívio estonteado que se seguiu à aceitação dela,
ele confessou que tinha planeado fazer-lhe o pedido no restaurante tailandês onde
tinham jantado, mas que não tinha contado com o casal silencioso na mesa ao lado,
que passara o tempo a escutar a conversa deles. Por isso, ele sugeriu um passeio
pelas ruas no escuro, apesar dos protestos de Robin de que ambos precisavam de se
levantar cedo, e finalmente a inspiração apoderou-se dele e conduziu-a, perplexa,
aos degraus da estátua. Aí, atirando a discrição ao vento gélido (de uma maneira
que não era nada típica dele), pediu-a em casamento, de joelho no chão, em
frente a três sem-abrigo encolhidos nos degraus a partilhar o que parecia ser uma
garrafa de álcool etílico.
Tinha sido, na opinião de Robin, o
pedido de casamento mais perfeito de toda a história do matrimónio. Ele até tinha
um anel no bolso, que ela usava agora; tinha uma safira e dois diamantes, servia-lhe
na perfeição e durante todo o caminho até ao centro foi a fitá-lo na mão pousada
no regaço. Ela e Matthew tinham agora uma história para contar, uma história de
família engraçada, do tipo que se contava aos filhos, na qual os planos dele (ela
adorava que ele tivesse feito planos) saíam furados e se transformavam em algo espontâneo.
Ela adorava os vagabundos e a lua, e Matthew, em pânico e nervoso, de joelho no
chão; adorava Eros e a velha e suja Piccadilly e o táxi preto que tinham apanhado
para casa, para Clapham. De facto, não estava longe de adorar toda a cidade de Londres,
que até àquela altura não a tinha ainda convencido, ao fim de um mês a viver lá.
Até os passageiros macilentos e mal-encarados, apertados à sua volta na carruagem
do metro, estavam banhados pela luz radiante do anel; e quando saiu para a luz do
dia gélido de Março na estação de metro de Tottenham Court Road, acariciou a parte
de baixo do anel de platina com o polegar e sentiu uma explosão de felicidade ao
pensar que talvez comprasse umas revistas de noivas à hora do almoço.
Olhares masculinos demoravam-se
nela enquanto abria caminho por entre as obras que estavam a decorrer no topo de
Oxford Street, consultando um pedaço de papel que segurava na mão direita. Robin
era, por quaisquer padrões, uma rapariga bonita; alta e bem feita, com cabelo louro
arruivado que ondulava com as suas passadas rápidas, e com o ar frio a dar cor às
suas faces pálidas. Este era o primeiro dia de uma colocação como secretária por
uma semana. Robin fazia trabalhos temporários desde que tinha vindo viver com Matthew
em Londres, embora não por muito mais tempo; já tinha aquilo a que chamava entrevistas
a sério marcadas. Muitas vezes, o maior
desafio destes trabalhos ocasionais pouco inspiradores era encontrar os escritórios.
Londres, depois da pequena cidade no condado de York que ela deixara, parecia vasta,
complexa e impenetrável. Matthew tinha-lhe dito para não andar pelas ruas com o
nariz enfiado no roteiro da cidade, porque a faria parecer uma turista e a tornaria
mais vulnerável; por isso, na maior parte das vezes ela guiava-se por mapas mal
desenhados que alguém na agência de trabalho temporário lhe fazia. Não estava convencida
de que essa atitude lhe desse o ar de uma londrina de gema». In Robert
Galbraith, Quando o Cuco Chama, tradução de Ana Saldanha, Maria Segurado e Rita
Figueiredo, Editorial Presença, 2013, ISBN 978-972-235-153-9.
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