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Ao completar 17 anos, César Bórgia foi mandado pelo pai para a Universidade de
Pisa, criada havia pouco tempo por Lourenço, o Magnífico. O cardeal soubera que o segundo filho de Lourenço,
Giovanni, que tinha a mesma idade que César e que estava também a ser educado para
os mais altos escalões dentro da Igreja, ia estudar em Pisa (Lourenço tinha
usado a sua influência para convencer o papa Inocêncio VIII a nomear Giovanni
cardeal com 14 anos, uma nomeação sem precedentes...). Escreveu a Lourenço
informando-o de que mandava para Pisa o seu próprio filho, como testemunho do
grande amor que sentia pelos Medici, Para que ele pudesse estar sob a asa e a
protecção, de Lourenço. É possível que Maquiavel fosse um estudante sem
dinheiro em Pisa durante este período; há indícios de que se encontrou pela
primeira vez com Giovanni Medici por esta altura, embora não haja provas de que
tenha conhecido César Bórgia nesta fase. César tinha-se tornado uma figura
atraente. Uma fonte contemporânea chegou a descrevê-lo como o homem mais belo
de ltália, e não havia nenhum vestígio do seu estatuto de padre, nem no seu
comportamento nem na sua aparência. Vestia-se com uma exuberância de pavão,
seguindo a última moda, usava o cabelo escuro pela altura dos ombros e exibia
uma barba arruivada, que atraía os olhares da multidão por onde quer que andasse.
Em Pisa, estudou direito civil e canónico, tornando-se rapidamente notado pela
sua aplicação e pelo brilhantismo; mesmo o historiador seu contemporâneo Paolo Giovio,
que desprezava os Bórgia, admitiu que, na discussão pública a que César teve de
se submeter para a sua licenciatura, os examinadores ficaram deslumbrados pelo
seu espírito fogoso e pela maneira como ele discutia eruditamente as questões
que lhe eram colocadas, tanto no direito civil como no canónico.
Mas,
um ano depois, em 1492, verificaram-se
umas mudanças drásticas que transformariam a Itália e modificariam a vida de
César para sempre. Em Abril, Lourenço, o
Magnífico, morreu em Florença e, com isso, a difícil estabilidade política
dos estados italianos perdeu o seu mais hábil protector. A seguir, em Julho, o
papa Inocêncio VIII faleceu e, a 5 de Agosto, os cardeais reuniram-se num
conclave secreto para eleger o seu sucessor. O cardeal Bórgia era um
manipulador supremo no tipo de negociações que rodeavam uma eleição papal, em
que as facções rivais regateavam o apoio aos respectivos candidatos. Na eleição
anterior, em 1484, Bórgia tinha sido
boicotado pela poderosa facção liderada pelo cardeal Giuliano della Rovere, que
o obrigara a aceitar Inocêncio VIII como uma escolha de compromisso. Agora, o
cardeal Bórgia tinha 61 anos e compreendia que esta seria provavelmente a sua
última oportunidade para ascender ao trono papal. Uma vez mais, viu-se boicotado
pelo seu determinado inimigo cardeal Della Rovere, e as intensas discussões
arrastaram-se durante cinco dias, sem sinais de saída do impasse. Por fim, este
foi desfeito pelo cardeal Ascanio Sforza, irmão de Ludovico Sforza, Il Moro, o governante de Milão. De
acordo com a lenda registada pelo cronista contemporâneo Stefano Infessura, na noite
do dia 10 de Agosto, quatro mulas carregadas com um tesouro foram vistas a sair
do palácio do cardeal Bórgia com destino ao do cardeal Sforza. Fontes mais
fidedignas referem o facto de, durante aqueles dias, terem sido feitos
levantamentos de tal forma elevados do Banco Spannocchi, em Roma, onde o cardeal
Bórgia depositava o seu dinheiro, que o próprio banco quase foi à falência. Na
manhã do dia 11 de Agosto, quando os relâmpagos de verão rompiam as nuvens
negras que se elevavam acima das colinas de Roma, aconteceu que, para espanto
geral, o cardeal Ascanio Sforza decidiu votar (com toda a sua facção) a favor
do cardeal Bórgia, que consequentemente foi eleito papa e escolheu o nome de
Alexandre VI. Antes da eleição, o novo papa tinha-se vangloriado, com algum
exagero, que durante os seus anos de vice-chanceler acumulara sacos de moedas
de ouro, pérolas, joias e baixela de ouro suficientes para encher a Capela
Sistina. Uma parte considerável da sua fortuna pessoal fora utilizada para
garantir a sua eleição, mas o prémio valia-o bem: o rendimento anual do papa
durante este período era de cerca de 300 000 ducados e a venda de caros
benefícios eclesiásticos podia ascender a um montante ainda superior. Sabia-se
que os conclaves anteriores tinham sido corruptos, com recurso ao dinheiro para
influenciar a votação, mas este é em geral considerado como a primeira vez na
história em que o papado foi pura e simplesmente comprado.
Durante
os dias tensos do conclave, César manteve-se em Siena, a supervisionar o treino
do cavalo com que ia concorrer ao Palio, a mais festejada das corridas de
cavalos em Itália. Após a eleição do pai, recebeu ordens para não assistir à
entronização papal, mas sim para se retirar para a fortaleza familiar, situada
cerca de 97 quilómetros ao norte de Roma, no meio das colinas arborizadas de
Spoleto. Alexandre VI considerava que não seria de boa política exibir a família
numa tal ocasião. No entanto, meses depois, para grande indignação de toda a
Roma, chamou César, e mais tarde a irmã mais nova de César, Lucrécia, para
viver com ele no novo bairro do Vaticano de Trastevere, que fora crescendo na
outra margem do Tibre, frente à cidade principal. Sabe-se que papas anteriores tiveram
filhos, mas nunca antes tinham coabitado publicamente com eles. Também
controversa era a ostensiva vida secular de César, tal como é narrada por um
seu amigo, o embaixador de Ferrara: … anteontem
fui encontrar-me com César na sua casa em Trastevere. Estava prestes a sair
para a caça; vestia uma roupa secular de seda e tinha a espada à cintura.(...)
Possui um génio assinalável e uma personalidade encantadora. Tem os modos do
filho de um grande príncipe; sobretudo, é espirituoso e alegre e gosta de
conviver. Nunca teve qualquer inclinação para o sacerdócio». In
Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e
Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN
978-989-724-010-2.
Cortesia
do CAutor/JDACT