Pedro
V e dona Estefânia
«(…)
Naquele movimento de fuga, a atitude do rei foi precisamente a oposta: correu
para o centro do furacão. Concentrou esforços na erradicação das epidemias,
desviou fundos para os hospitais, para apoio a famílias destruídas, e acorreu
em pessoa aos focos de doença, visitando os corredores hospitalares e salas
febris, esperando lado a lado com parentes e falando às vítimas, sentado à
cabeceira das camas, por muito que os conselheiros lhe pedissem que se resguardasse
e por tudo evitasse o seu próprio contágio. Mais do que a concentração de
esforços financeiros e logísticos na recuperação do quadro clínico do país e no
apoio às populações mais afectadas, foi aquela atitude do rei que salvou o
país. Primeiro entre iguais, verdadeira sentença de morte à figura do monarca
absoluto. Figura forte e serena, porém próxima, no coração dos cenários da
desolação. O povo deu em chamá-lo Rei
Santo e encontrou nele o amparo para se levantar quando as epidemias
estavam controladas e os mortos sepultados.
Não
admira, pois, que fosse uma espécie de projecto nacional encontrar uma rainha
para Pedro V. Uma mulher à altura dum rei belo, elegante, educado e com aquela
qualidade humana. Não faltaram nomes atirados à praça. Especulações e rumores,
listas de candidatas lançadas à mesa da corte, comentadas e acrescentadas um
pouco por todo o império. Nos corredores diplomáticos das casas reais
europeias, jogavam-se os tabuleiros de alianças e influências: procurava-se noiva
para o rei de Portugal. Espanha tentava uni-lo à princesa das Astúrias, filha
da rainha Isabel II. A Bélgica acenava com a filha do rei Leopoldo I, a
princesa Carlota, mas ela parecia pouco interessada pela conjectura. Acabaria
por se tornar noiva de Maximiliano, efémero imperador do México, arrastando-se,
após a morte daquele, como figura bela e trágica, ao longo de 60 penosos anos.
Internamente, era sugerido o nome de Maria da Conceição, mulher fidalga e
elegante, autora obsessiva de poemas dedicados ao rei. Outros especulavam
acerca de um hipotético romance secreto com Manuela Rey, actriz que morreria prematuramente
aos 22 anos, antes de poder confirmar uma promissora carreira.
A
verdade é que Pedro V parecia indiferente a qualquer destas mulheres. Observador,
sério e triste, preferia concentrar-se no governo do reino e nas longas
conversas com Herculano. O comportamento celibatário tornava-se ainda mais
evidente por contraste com o estilo de vida do irmão. Luís era um apreciador
dos clubes nocturnos e gostava de disputar e perder o jogo das tentações da
carne. A chegada ao trono, anos mais tarde, não lhe refrearia o ímpeto:
manteria uma vida dupla, de dia rei, à noite um pretenso doutor Tavares,
que aproveitava os benefícios dum tempo anterior à sociedade mediática para
sair à noite sob falsa identidade e ser só mais um rosto no meio da multidão.
Deixava o palácio acompanhado do amigo Magalhães Coutinho, esse, sim, médico de
verdade, e percorria com ele a cidade na ancestral prática de chercher la femme. A primeira
conquista extraconjugal, ou pelo menos a mais badalada, seria a actriz Rosa
Damasceno, de quem teria um filho, senão dois». In Alexandre Borges, Histórias
Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
Cortesia
de CdasLetras/JDACT