Teresa
Henriques. Poderosa condessa da Flandres
«Portugal estava nos primórdios
da sua existência como reino independente de facto, muito embora o antigo suserano
não no-lo quisesse reconhecer. Mas o atlético Afonso Henriques, lançado decididamente
no supremo objectivo de engrandecimento dos seus domínios, que ia dilatando a golpes
de audácia e de bravura, enérgico e tenaz, queria desconhecer a resistência do
primo Afonso VII de Leão ao reconhecimento. Espírito nato de guerreiro, coadjuvado
por um escol de cavaleiros de ânimo rijo, de
antes quebrar que torcer, o nosso primeiro monarca, rei, desde a aclamação
pelas suas tropas vitoriosas na célebre batalha de Ourique (Julho de 1139),
segundo reza a tradição, não descansava um momento nos seus propósitos.
Ora contra os leoneses, ora
contra os infiéis de Mafoma, ao tempo ainda assenhoreados de uma boa parte do
território que, em futuro próximo, viria a integrar Portugal nas suas fronteiras
definitivas, o rei-fundador ampliava de forma substancial, em correrias
temerárias, sempre motivo de pânico para o inimigo, os escassos limites do
antigo Condado Portucalense herdado do pai. Na sua gloriosa carreira de batalhador,
nas suas infatigáveis deslocações em surtidas sem fim, teve o grande conquistador
apenas uma ausa, a do seu casamento em 1146
e o ano que se lhe seguiu.
Da rainha dona Mafalda, filha de Amadeu
II, conde de Moriano, Sabóia e Piemonte, houve ele vários filhos e filhas. Destas
últimas, a segunda teria sido dona Teresa, dado que a primeira fora dona Urraca,
depois rainha de Leão pelo casamento. Poucos, e de difícil consulta, são os documentos
conhecidos dessa época, e oito séculos já sobre ela passaram, que nos elucidem com
segurança quanto à vida da infanta dona Teresa.
Os escritores
estrangeiros tratam-na por Matilde, por, segundo parece, ter sido esse o nome que
ela usou após o casamento, sem que se conheçam as razões que a levaram a adoptar
tal qualificativo.
Também, de resto, se desconhecem, por serem omissas nesse ponto as raras crónicas
que se ocupam desta filha do rei-conquistador, a data em que nasceu e muitos
outros pormenores da sua existência. Sabe-se, no entanto, que era fisicamente linda,
havendo quem a aponte como uma das mulheres
mais belas da Europa no seu tempo, o que não era pequeno predicado. Já em
idade casadoira, teve um pretendente na pessoa prestigiosa de Filipe de Alsácia,
o poderoso conde da Flandres e de Hainaut. A razão da honrosa escolha não se sabe.
Mas, dedutivamente, é provável que algum cruzado, fidalgo de alta linhagem, dos
muitos que por cá passaram nessa época e auxiliaram o nosso rei nas encarniçadas
lutas contra a moirama aqui radicada, tivesse falado na nossa princesa ao
soberano da Flandres, exalçando-lhe as qualidades e dotes físicos e morais.
Aquele condado era, ao tempo, um estado
de grande vastidão territorial e de assinalável poderio militar e político, além
de ser de muito antiga fundação. E a família condal orgulhava-se, muito justamente,
de possuir remota genealogia, com antepassados de grandes lustres e altivos pergaminhos.
Afonso Henriques, decerto bem informado no que respeitava à magnífica
personalidade do candidato, quase um rei pelos seus estados e categoria, não
teve dúvidas em conceder o seu consentimento a matrimónio tão promissor. Celebrou-se,
em Portugal, o feliz consórcio em 1184,
no mês de Agosto, com as pompas e faustos próprios de tão altos príncipes. E pouco
depois seguiu a nossa formosa infanta para a sua nova corte em Gand. Levava por
séquito numerosos e brilhantes personagens da corte portuguesa, parte do qual ficaria
na Flandres como seu pessoal privativo.
A Europa de então digladiava-se
em contínuas guerras religiosas ou simplesmente entre Estados para solucionarem
antigas dissidências. Os povos não tinham sossego, e aos príncipes reinantes não
era dado desfrutarem em ambiente de tranquilidade as suas coroas. Eram umas
vezes os soberanos que marchavam em pé de guerra a fim de submeterem vassalos recalcitrantes,
que se rebelavam contra os seus suseranos. Eram os vassalos que se levantavam contra
aqueles, defendendo de armas na mão o que presumiam ser os seus direitos... Filipe
devia vassalagem a Filipe Augusto, rei da França, de quem aliás fora tutor.
Tais factos, no entanto, não o impediram, que, por essas alturas, confundiam-se
direitos com interesses, e estes opunham-se a sentimentalismos, de se aliar com
os ingleses contra ele». In Américo Faria, Princesas Portuguesas
Rainhas no Estrangeiro, 1963, Edições Parsifal, 2013, ISBN 978-989-983-331-9.
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