Os Fenícios: suas deusas impuras, que
afinal eram os órgãos sexuais da mulher
«Não era só o comércio e as artes
que as galés fenícias transportavam, sulcando rapidamente o mar, para as terras
ocidentais. Juntamente com Melcarte vinha o simulacro de Astarte, e o culto dessa
deusa impura teria de perverter os costumes simples dos primitivos habitadores
das regiões da Ibéria. De Babilónia, a grande cidade corrompida, a prostituição
espalhara-se largamente, como um flagelo, pela Ásia e pela África, até ao fundo
do Egipto e da Pérsia. Em cada país onde a semente corruptora germinava, a
prostituição ia tomando novos aspectos e o culto impuro revestia novas formas.
Na Arménia, Vénus, a deusa
impura, tinha o nome de Anaítis; a fenícia chamava-se Astarte. Sob este nome
deificavam-se os órgãos sexuais da mulher. Era o culto impuro inventado pelos
homens, e as mulheres não tardavam a imitá-los, inventando o culto da natureza máscula,
deificada em Adónis, que foi mais tarde o lúbrico Príapo, adorado no Ocidente. A
Vénus fenícia tinha templos em Tiro, em Sídon e nas principais cidades da nação,
sendo os mais célebres os de Heliópolis e de Afaque, nas proximidades do monte
Líbano. À noite, a multidão povoava esses templos e, em honra da deusa, os
homens disfarçavam-se em mulheres e as mulheres em homens, entregando-se com
furor à mais infrene orgia. O sacerdote dirigia as lúbricas cerimónias e uma
música horrenda sufocava os gritos libidinosos daquelas cenas nefandas,
permitidas por uma religião imoral e imprópria de um povo tão adiantado.
A lei da hospitalidade impunha
aos Fenícios o dever de prostituírem suas filhas aos estrangeiros. O hóspede
não podia sem desdouro recusar este testemunho de benevolência, e o chefe de família
era o próprio que apresentava a vítima para o sacrifício obsceno. Quando os
Fenícios aportaram à Espanha, e povoaram de cidades o litoral, os templos de
Vénus multiplicaram-se em todos os seus estabelecimentos. A marinha mercante
deste povo encarregava-se de levar a toda a parte a corrupção que o infestava e
cada novo empório aceitava de bom grado um culto que lisonjeava todas as
paixões. Em volta dos templos da deusa impura levantavam-se tendas onde as
raparigas iam sacrificar-se à Vénus fenícia. De princípio, estes sacrifícios
obscenos não tinham carácter religioso. Os navegadores estabeleciam ao longo
das costas lugares de prostituição, onde pudessem encontrar facilmente o
prazer, depois de uma longa travessia. Com o andar dos tempos, os sacerdotes
associaram a estas orgias a ideia religiosa, invocando, para proteger o recinto
dissoluto, a Vénus fecunda dos seus altares.
Os templos da deusa eram, de
ordinário, edificados em lugares elevados, de onde se avistava o mar. Ao largo,
os navegadores descobriam a mansão da deusa e esta visão suave aparecia-lhes como
uma promessa de prazer e de repouso, após uma viagem difícil e arriscada. Industriados
pelos Fenícios no comércio e nas artes, os povos do litoral da Ibéria não
tardaram também a imitar-lhes a corrupção. A prostituição teve, por essa época,
nos estabelecimentos fenícios da Península, o mesmo carácter de mercantilismo
que este povo imprimia a todas as suas manifestações. Antes do casamento, as raparigas iam fazer o sacrifício do pudor para
ganharem o dote e tinham o direito de escolher marido quando a quantia ganha
desse modo era considerável. Como já dissemos, o esposo por elas escolhido não
podia deixar de aceitar semelhante honra e, bom ou mau grado seu, tinha de
receber por legítima esposa aquela mulher prostituída.
Havia também a prostituição na
escravatura. Os Fenícios compravam ou raptavam donzelas que levavam para o seu
país, ou que vendiam mesmo nas suas paragens ao longo do Mediterrâneo, quando o
preço era convidativo. A Ibéria fornecia-lhes um grande contingente para este
comércio odioso, que eles exploravam torpemente, no seu positivismo de
mercadores endurecidos, que não atendiam senão ao lucro e dele faziam o seu
deus predilecto». In Alfredo Amorim Pessoa, Os bons velhos tempos da prostituição em
Portugal, Antologia, 1887, Anotações, 1976, Antígona_Frenesi, 2006, Lisboa,
ISBN 972-608-175-0.
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