«(…) Há múltiplas referências dispersas
pela literatura e imprensa nacionais ao pretenso logro elevado a obra de arte cravada
no coração de Lisboa. E muitas delas são assinadas por gente igualmente insuspeita...
A mais célebre é, porventura a passagem de Lisboa Livro de Bordo, onde José Cardoso
Pires, conhecedor invejável da cidade, cita um poeta amigo para levantar a questão:
Que fazemos nós, Lisboa, os dois aqui na
terra em que nascemos e eu nasci, perguntava Alexandre O'Neill, de ombro na ombreira a olhar o imperador Maximiliano
do México, que está na estátua do Rossio a fingir que é o Pedro IV de Portugal.
E remata depois, com menos poesia e mais pragmatismo: Que se lixe, seja o Dom Pedro, porque
não? Assim como assim, o país fica na mesma e o Rossio ganha ainda mais um caso
para entreter.
Mas como teria acontecido coisa tão
absurda? Que se trocasse a estátua dum herói pela dum desconhecido? Correm, pelo
menos, três versões... Primeira versão: os mexicanos, os colonos franceses
ou o próprio Maximiliano encomendam a Gabriel Davioud e Elias Robert uma estátua
do novo imperador. Porém, enquanto os artistas trabalham na obra em França, a situação
política complica-se nas Américas. Benito Juárez, herói nacional mexicano, lidera
a rebelião, depõe Maximiliano e manda fuzilá-lo, em 1867. A estátua, entretanto concluída, deixa de ser desejada do outro
lado do Atlântico e fica esquecida num contentor algures no porto de escala, em
Lisboa, à espera de que alguém a reclame. Quando Câmara e Governo trabalham na revitalização
do Rossio e se confrontam com o desagrado popular provocado por o Galheteiro,
descobrem uma solução prática e extraordinariamente em conta: desencaixotar Maximiliano,
que, por sorte, até tem uma figura física parecida com a de o Rei-Soldado, e metê-la num pedestal
com uma placa que não a deixe mentir: Dom
Pedro IV, rei disto e daquilo. Caso arrumado.
Segunda versão (e a mais pitoresca):
os mexicanos, os colonos franceses ou o próprio Maximiliano encomendam a Gabriel
Davioud e Élias Robert uma estátua do novo imperador. Ao mesmo tempo, Portugal lança
um concurso para a construção de uma estátua a Pedro IV que é ganho pela mesma dupla
de artistas. As estátuas são cuidadosamente embaladas e embarcadas, e descuidadamente
trocadas no porto de Lisboa. O Maximiliano de bronze é içado até ao pico da coluna
a meio do Rossio; o Pedro do mesmo metal cruza o oceano, tal como antes fizera o
Pedro real, mas segue para um destino um pouco mais setentrional. O caso é delicioso
porque significaria que algures, no México, haveria uma estátua a Pedro IV e, possivelmente,
alguma literatura local discutindo, tal como nós, o engano monumental. Porém, é altamente improvável que o México, depois de depor
e fuzilar Maximiliano, ainda lhe quisesse fazer uma estátua. De modo que o Pedro
de bronze, mesmo que ainda tivesse conseguido seguir viagem a partir de Lisboa,
teria sido barrado na chegada às Américas ou,
quem sabe?, lançado ao mar onde ainda hoje more, até ser descoberto por
algum mergulhador, entre algas e peixes de águas profundas, elevado a tesouro da
arqueologia.
Terceira
versão:
os mexicanos, os colonos franceses ou o próprio Maximiliano encomendam a
Gabriel Davioud e Élias Robert uma estátua do novo imperador. Porém, enquanto os
artistas trabalham na obra, em França, a situação política complica-se nas Américas.
Benito Juárez, herói nacional mexicano, lidera a rebelião, depõe Maximiliano e
manda fuzilá-lo, em 1867. A estátua,
entretanto concluída, deixa de ser desejada do outro lado do Atlântico, que fariam
agora com ela os desalentados Davioud e Robert? Punham-na na sala? No jardim? Postos nestas dúvidas, chega-lhes
ao conhecimento um concurso aberto em Portugal para a construção de um monumento
que homenageie Pedro IV Arquitecto e escultor pegam então no velho Max, amputam-lhe
o braço que carrega o ceptro imperial e trocam-no por outro que ostente a Carta
Constitucional, mudam-lhe os botões da casaca, distinguem-no com um colar da Torre
e Espada e dão-lhe guia de marcha para Lisboa. Vitória. Todos ganham. Portugal
fica com a sua estátua, Davioud e Robert com o seu dinheiro e até Maximiliano recebe
alguma dignidade que o conforte naquela sua triste partida para o outro mundo».
In
Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras,
Lisboa, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
Cortesia
C. das Letras/JDACT