Uma
história celta
«A origem dos povos antiquíssimos
envolve-se quase sempre nas mais estranhas lendas. A lenda da origem dos Celtas
é curiosíssima. Celtina, filha de Britanus, rei de um país setentrional, era
uma donzela de uma castidade feroz, que fazia o desespero dos seus adoradores.
Desprezava todos os pretendentes, repelia-os com desdém, numa palavra: era inacessível
a todos os galanteios. Um dia, o acaso fez-lhe encontrar no seu caminho
Hércules, líbio, herói de mil extraordinárias proezas e dotado, ao que parece, de
uma formosura varonil excepcional. A princesa, loucamente enamorada do herói, declara-lhe
o seu amor, mas, ao que diz a lenda, não logra cativá-lo. Hércules acabava de
praticar uma façanha de primeira ordem: roubara os bois de Gérion e ia conduzindo
os animais, muito orgulhoso daquela presa. O ensejo não era dos mais propícios
para idílios, embora com a mais formosa das princesas, e o latagão mostrava-se indiferente
a todas as sugestões.
A frieza do seu amado mais irrita
o temperamento da princesa. Sente-se arder em desejos sensuais poderosíssimos e
persegue o indiferente. Quando viu que os seus rogos e o seu amor não
conseguiam abrandar aquela pena, Celtina, que, apesar de mulher, tinha ânimo e
esforço para a luta, rouba a Hércules os seus bois e declara-lhe
peremptoriamente que não poderá reavê-los enquanto não saciar os desejos que a
devoram. Hércules rende-se e satisfaz a vontade de Celtina. Desta ligação sexual
nasce Celto, o pai da raça celta. Da Gália céltica, os Celtas vieram à Península
e ocuparam primeiramente, ao que parece, a parte da Bética conhecida pelo nome de
Betúria, a oriente do Guadiana, entre a Estremadura espanhola e o oceano Atlântico.
Passando à Lusitânia, estabeleceram-se na parte do Alentejo ao norte dos Turdetanos.
O Guadiana extrema-os a oriente dos celtas da Betúria.
Dizem que Elvas, Estremoz, Vila Viçosa
e a antiga Meróbriga eram as principais cidades de que os Celtas estavam
senhores. Segundo a tradição, a invasão dos celtas foi contrariada na Lusitânia
pelos antigos habitadores do país. Os bárbaros
ou sarrienos, que, da serra da
Arrábida se estendiam até à confluência do Canha com o Tejo, foram os
seus mais encarniçados inimigos. Estes povos sustentaram contra os Celtas lutas
sanguinolentas. Segundo alguns autores, o nome de bárbaros proveio-lhes da sua natural ferocidade, e por isso, até ao
cabo da Roca, que era um dos limites do seu domínio, chamaram os antigos promontório bárbaro. Segundo
Resende (Antiquitates Lusitaniae) o nome de bárbaros proviera-lhes do termo barbarii,
derivado de barbaricarii,
significando tintureiros. Entre estes
povos fazia-se importante comércio de grã escarlate, que se criava na serra da Arrábida.
Seja como for, os Sarrienos vagueavam pelas serras,
mantendo-se da caça e do que roubavam aos vizinhos. Eram indomáveis, e os Romanos,
mais tarde, tiveram de sofrer da sua parte a mais tenaz das resistências. Não tinham
a menor noção de pudor, segundo antiquíssimas tradições, a que daremos apenas a
fé que merecem afirmações feitas sem base que as robusteça. As mulheres
acompanhavam os homens na caça e na rapina e a prostituição era para elas um
dever imposto pelos costumes. Quando o mar encapelado rugia contra as costas, os
Sarrienos procuravam aplacar as
divindades marinhas sacrificando-lhes em cima dos rochedos um homem e uma mulher;
outras vezes algumas crianças eram imoladas por aqueles selvagens ao Oceano temeroso,
deus temível, pai e dispensador de todas as coisas: oceanum, patrem rerum.
NOTA:
Sobre o conceito de bárbaro, os Gregos designavam pela palavra
bárbaros todos os estrangeiros (mormente os persas) que não falavam a sua língua.
A etimologia é estranha e complicada, e o Resende onde diz que a recolheu não o
é menos. Mas chamar bárbaros aos habitantes da península é, de qualquer das maneiras,
um anacronismo. Se a palavra é grega, só muitos anos depois é que houve alguém a
chamar-nos esse nome...» In Alfredo Amorim Pessoa, Os bons velhos
tempos da prostituição em Portugal, Antologia, 1887, Anotações, 1976, Antígona_Frenesi,
2006, Lisboa, ISBN 972-608-175-0.
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