«(…) Para levantar o véu da vida
sexual comum dos romanos, na ausência de testemunhos autobiográficos, de
investigações de cariz sociológico, de dados estatísticos fiáveis, dispomos de
dois tipos de fontes: por um lado, textos literários, inscrições funerárias e
imagens (isto é, representações, em todos os casos); por outro, textos jurídicos
que decretam normas, leis e sanções. Relativamente ao período arcaico, da realeza
à instauração da República em 509 a.C., e quanto ao tempo da
República do terceiro e do segundo séculos antes da nossa era, os documentos
são raros e a sua interpretação é muitas vezes delicada. O período real só é
conhecido graças às descobertas da arqueologia ou pelas lendas conservadas por
Tito Lívio. Além disso, nos primeiros tempos de Roma e até ao final da época
republicana, a cidade prima sobre o indivíduo, e as estruturas colectivas sobre
as realidades individuais. Sociedade patriarcal, extremamente hierarquizada, ela
apoia-se numa moral cívica na qual o homem romano, de condição livre, desempenha
o papel principal e em torno do qual gravitam todos os outros elementos da
sociedade. O homem romano é, antes de tudo, um cidadão, um herói guerreiro e um
homem político. O que faz dele um ser virtuoso na sua vida privada é uma vida
sexual útil para o desenvolvimento e para a glória da sua cidade que permite,
através da fecundação da esposa, dar-lhe futuros cidadãos. A difícil emergência
do sujeito individual e das suas preocupações próprias explica que tenhamos
poucos testemunhos acerca desse domínio privado nas épocas real e republicana
de Roma.
A era augustiana coincide com o
desenvolvimento da aspiração dos indivíduos a maior independência, com o
aparecimento daquilo a que Michel Foucault chama individualismo. A mulher, em particular, no final da época
republicana, conhece uma forma de autonomia e de libertação sem precedentes na
Antiguidade. Algumas vozes, excessivamente, falaram de emancipação feminina, ainda que esse fenómeno diga respeito apenas
a uma elite. Relativamente à das mulheres do início da República, é inegável
que a condição feminina mudou e que certas mulheres puderam escolher uma vida
de independência que se fez acompanhar por uma emancipação sexual. Esta
inversão de valores traduz-se pela eclosão de práticas 1iterárias que se
constituíram contra os géneros preocupados com a grandeza cívica e nacional
(epopeia, tragédia, eloquência) e que mostraram a emergência de um sujeito que
deseja (poesia elegíaca, ficção romanesca, entre outros). Os primeiros
discursos de Cícero, que datam da ditadura de Sila, e a sua correspondência
colocam um termo à raridade de fontes, as quais se tornam, de 80
a.C. à morte de Augusto, no ano 14 da nossa era, relativamente ricas
em informação. Atribuiremos, em particular, um grande espaço à poesia elegíaca,
que é a aparição literária da subjectividade nas épocas ciceroniana e
augustiana; depois, à escrita ficcional em prosa de Petrónio e Apuleio na época
imperial, onde poderemos ver a parte oculta dos desejos sexuais. Estes dois
escritores, que abordaram o domínio da sexualidade, não se preocupam em definir
o que são os erotica, em desvendar o
mistério do acto sexual ou em definir claramente o que é permitido e o que é
proibido. Interessam-se mais pela análise do encontro com o outro nesse
terreno delicado. O sexo é tido como uma pulsão essencial do ser humano e como
orientador de muitos dos seus comportamentos, tal é a intuição de alguns desses
escritores, muito antes de Freud. O período dos imperadores
júlio-claudianos e flavianos (de 14 a 96 d.C.) é tratado sobretudo
pelos historiadores Tácito e Suetónio. Estes permitem abordar a vida sexual dos
imperadores e da família imperial. Quanto ao final do primeiro e ao início do
segundo século da nossa era, Tácito e Plínio, o Jovem, constituem as nossas fontes principais. Relativamente ao século
segundo, as fontes literárias tornam-se raras». In Géraldine Puccini-Delbey, A
vida sexual na Roma Antiga, 2007, Edições Texto e Grafia, tradução de Tiago
Marques, 2010, Lisboa, ISBN 978-989-828-515-7.
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