Criação.
Dulce María Loynaz. Cuba
«E primeiro era a água:
uma água encrespada,
sem respiração de peixes, sem
margens
que a apertassem...
Era a água primeiro,
sobre um mundo que nascia da mão
de Deus...
Era a água.
A terra
ainda não assomava entre as ondas,
a terra ainda
era apenas um lodo mole e trémulo...
Não havia flor de luas nem cachos
de ilhas... No ventre
da água jovem geravam-se continentes...
Amanhecer do mundo, despertar
do mundo!
Que apagar de fogos últimos!
Que mar em chamas debaixo do céu
negro!
Era
primeiro a água».
Mãe, tu inventaste-me. Miguel Ángel
Asturias. Guatemala
Que fogo tu acendeste, ilusão,
antes que fosse eu?
Que cabeleira tiveste, esperança,
que cabeleira de pássaros tiveste,
esperança,
antes que fosse eu?
Que avé-marias rezaste antes que fosse
eu?
Antes que fosses tu, antes que fosse
eu,
antes que fosse o retábulo
perfeito do boi e da mula,
pensávamos nas estrelas,
água e sonho os dois,
e as estrelas eram as nossas pálpebras
na noite de espinhos.
Mãe, as tuas pálpebras estavam suspensas
dos espinhos.
Tu meu sangue e eu o teu
e o fracasso final das tuas palpitações.
Depois...
Não, antes tu e eu
e depois, tu e eu sós...
Fez frio.
A sombra
do teu cabelo sobreveio à noite.
Marés-baixas... Espaços... O mar...
Repara..., o mar, Mãe, e tu e eu sós
nas minhas palpitações, nas do mar...
Mãe,
obrigado porque me inventaste,
eu não era, fui inventado por ti
nas letras, nas estrelas, nas folhas
e nos sonhos.
Sou coisa tua,
antes que fosses tu,
tu
me inventaste».
In
Isabel Aguiar Barcelos, O Mar na Poesia da América Latina, tradução de José
Baptista, Assírio Alvim, documenta poética, Lisboa, 1999, ISBN 972-370-527-3.
Cortesia
de AAlvim/JDACT