«A
vaidade era o princípio e o fim da personalidade de sir Walter Elliot; vaidade
pessoal e de situação. Tinha sido excepcionalmente bonito na juventude, e aos cinquenta
e quatro anos ainda era um belo homem. Poucas mulheres se preocupavam mais com a
sua aparência pessoal do que ele, nem o criado de quarto de qualquer lorde de fresca
data poderia sentir-se mais encantado com o lugar que ocupava na sociedade. Considerava
o dom da beleza inferior somente ao da baronia, e sir Walter, que reunia estes dois
dons, era objecto constante do seu mais caloroso respeito e dedicação. A sua elegância
e a sua posição social tinham um peso razoável no seu afecto, pois lhes devia por
certo uma esposa possuidora de um carácter muito superior a tudo quanto o dele merecia.
Lady Elliot tinha sido uma excelente mulher, sensata e afável, cujo bom senso e
cuja conduta, desde que se lhes perdoasse a paixão juvenil que fizera dela lady
Elliot, nunca tinham, depois, precisado de indulgência. Durante dezassete anos,
tinha suportado, ou suavizado, ou ocultado os defeitos dele e estimulado a sua verdadeira
respeitabilidade; e embora, pessoalmente, não tivesse sido a mulher mais feliz do
mundo, encontrara nos seus deveres, nos seus amigos e nas suas filhas o suficiente
para a prender à vida e fazer com que não se sentisse indiferente quando o destino
estipulou que se separasse deles. Três filhas, as duas mais velhas com dezasseis
e catorze anos, eram uma terrível herança para uma mãe deixar; ou antes, um terrível
encargo para confiar à autoridade e à orientação de um pai presunçoso e tolo. Ela
tinha no entanto uma amiga muito íntima, uma mulher sensata e meritória que, movida
pelo forte afecto que lhe tinha, viera instalar-se perto, na aldeia de Kellynch.
E era principalmente com a sua bondade e o seu conselho que lady Elliot contava
para o melhor auxílio e a manutenção dos bons princípios e da instrução que tão
preocupadamente transmitira às filhas.
Esta amiga e sir Walter não casaram, ao contrário do que poderia
ter sido previsto nesse sentido pelas suas relações. Tinham decorrido treze anos
desde a morte de lady Elliot e eles continuavam a ser vizinhos próximos e amigos
íntimos, e viúvos ambos. Que lady Russell, de idade e carácter estáveis, e com uma
situação económica muito boa, não tenha pensado num segundo casamento, é coisa que
não precisa de ser justificada ao público, que tem muito mais tendência para ficar
despropositadamente descontente quando uma mulher volta a casar do que quando
ela não casa. Mas o facto de sir Walter permanecer solteiro exige uma explicação.
Saiba-se, portanto, que sir Walter, como um bom pai (e tendo sofrido uma ou duas
decepções íntimas em diligências muito insensatas), se orgulhava de permanecer solteiro
por amor das suas queridas filhas. Por uma delas, a mais velha, teria realmente
desistido de alguma coisa que não se tivesse sentido muito tentado a fazer. Aos
dezasseis anos, Elizabeth herdara tudo quanto era possível dos direitos e da importância
social da sua mãe; e como era muito bonita, e muito semelhante a ele, a sua influência
fora sempre grande e tinham-se dado os dois muito bem juntos. O valor das suas duas
outras filhas era muito inferior. Mary adquirira um pouco de importância artificial
ao tornar-se mrs. Charles Musgrove, mas Anne, possuidora de uma elegância de
espírito e uma doçura de carácter que deveriam tê-la colocado num elevado lugar
na consideração de qualquer pessoa dotada de verdadeira compreensão, não era ninguém,
nem para o pai nem para a irmã: a sua voz não tinha qualquer peso; a sua conveniência
residia em transigir, ceder sempre, era apenas Anne. É verdade que, para
lady Russell, ela era realmente uma muito querida e altamente apreciada afilhada,
a sua preferida e amiga. Lady Russell amava-as a todas, mas só em Anne conseguia
imaginar que a mãe poderia voltar a viver. Alguns anos antes, Anne Elliot rinha
sido uma rapariga muito bonita, mas o seu viço dissipara-se cedo, e como, mesmo
no apogeu dessa frescura, o pai pouco encontrara que admirar na filha, tão
completamente diferentes dos dele eram os seus traços delicados e doces olhos escuros,
não podia haver neles, agora que estava estiolada e magra, nada capaz de
estimular a sua estima. Nunca alimentara muita esperança, e presentemente não tinha
nenhuma, de alguma vez ler o nome de Anne nalguma página da sua obra favorita. Toda
a igualdade em termos de aliança tinha de assentar em Elizabeth, pois Mary mais
não fizera do que ligar-se a uma antiga família rural de muita respeitabilidade
e grande fortuna, e por conseguinte tinha sido ela a dar toda a honra sem receber nenhuma. Um dia, Elizabeth havia
de casar apropriadamente». In Jane Austen, Persuasão, tradução de
Fernanda Rodrigues, Editorial Presença, 2012, ISBN 978-972-232-113-6.
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