Sítio e história
«(…) Já dois anos atrás o infante João fora investido no Mestrado de
Avis, mas agora o caso era mais importante, e o pedido real foi satisfeito pelo
papa e, mais, em 1456 e até 1514, o espiritual, das terras descobertas coube na confirmação do privilégio
inicial dos Templários de Nulla Diocesis. A Cruz da Ordem de
Cristo foi então emblema do velame das naus dos descobrimentos e, desde 1420, os seus enormes réditos foram
sempre administrados por príncipes da casa real, o infante Fernando, sobrinho e
herdeiro do infante Henrique, seus filhos Diogo e Manuel, duques de
Beja, e, desde este, pelos próprios reis, até a rainha dona Maria II, à
extinção das ordens religiosas, em 1834.
A economia dos descobrimentos, em nova vocação nacional animada inicialmente
pelo Infante Henrique, dependeu, como se sabe, em considerável parte, dos
rendimentos de que o regedor,
dispunha, seus (de que não prescindiu e muito aumentou, por não ter feito voto
de pobreza ao assumir, propositadamente, não o mestrado mas a administração da
Ordem) e da própria Ordem assim administrada.
A acção do infante à frente da Ordem de Cristo foi considerável com
todo o poder dos cavaleiros, que aumentou por força de novos estatutos em 1426, e de reformas desejadas, de que
foi incumbido em 1434, mas só com
aplicação em 1443 e sobretudo 1449, João Vicente, bispo de Lamego,
antigo médico de João I. Eram elas conformes aos estatutos da Ordem de
Calatrava, modelo que lhe fora, já em 1319,
e agora mais imposto. Grandes obras no castelo-convento foram levadas a cabo, e
ali o infante residiu até se fixar, já em anos 40, no Algarve, na chamada Vila
do Infante, desaparecida e de hipotética localização, onde morreria em 1460 (mas em 1451, por exemplo, estava
em Tomar), deixando em testamento à Ordem as suas ilhas açoreanas de S. Miguel
e de Sta. Maria que, como o restante arquipélago, recebera do rei, e indo as
outras para a coroa ou para o sobrinho herdeiro. Paços de residência no
castelo, outros, possíveis, ditos da Ribeira, existentes à Várzea Grande,
onde se julga que veio a morrer o rei Duarte I em 1438, abrilhantaram a vida da povoação que muitas figuras
henriquinas atravessaram. Ali Henrique realizou grandes obras civis,
adaptando a ponte, fundando Estaus de novidade urbana, como em Lisboa
fizera o irmão Pedro (Regente), e aqui para uso de visitantes e criadagem dos
mestres e dos cavaleiros, e também de feirantes, já que, em 1420, uma feira franca foi criada,
a seu pedido, em Tomar, por autorização régia e com privilégios então únicos no
país. Saboarias com monopólio de fabrico, concedido ao infante em Santarém em 1424, foram-lhe também autorizadas em
Tomar, nos antigos celeiros dos Templários, os
cubos, com notável progresso económico da vila.
Também uma reforma hospitalar que o infante esboçou (e Manuel I terminaria)
representou progresso para Tomar, cujo urbanismo se configurou por então na Vila
de Baixo, tal como a conhecemos hoje, e deve ser considerado modelo
empírico, não, bem entendido, da Lisboa pombalina, mas do Bairro Alto de S.
Roque jesuíta, traçado por então, na capital. Nos paços henriquinos,
necessariamente adaptados, viveu o infante Manuel, duque de Beja, administrador
da Ordem por sucessão de irmão e pai; e também ao rei que foi, depois ficou
devendo Tomar um novo e notável progresso. Ele dedicou-se à vila, corrigiu-lhe
o curso do rio, deu-lhe casas de Câmara na Praça de S. João Baptista (que seria
de Manuel I), absorvendo as boticas,
da feira e com pelourinho defronte, e um hospital centralizado da Misericórdia,
em 1520, na linha de assistência que
sua régia irmã criara, e uma nova carta de foral em 1510. Ferrarias no Prado,
para fabrico de armamento, já antes de 1504,
lagares e moinhos, celeiros e adegas foram ainda mandados construir por Manuel
I, muitas dessas construções foram, por gratidão e hábito, chamadas pelos
tomarenses, até aos dias de hoje. E a importante ponte da vila foi igualmente
renovada por ele.
Também então o Convento de Cristo recebeu obras que lhe definiram o
estilo dito muito mais tarde manuelino,
e logo na célebre janela que o simboliza. E as igrejas da vila, reedificadas como
a de S. João Baptista, acumularam então consideráveis riquezas, como a preciosa
cruz-relicário feita, ao que se julga, com o primeiro ouro vindo da Índia, que
desapareceu do Convento entre 1829 e 34, enquanto outras peças do
seu acervo religioso passaram ao Museu de Arte Antiga, ou do Tesouro da Sé de
Lisboa. E por todo o lado o rei impôs, a par da esfera armilar de seu emblema,
a cruz da Ordem emblematizada também, como na Levada, à beira da ponte, se
observa. Tais obras foram acompanhadas por nova reforma administrativa de que o
real valido Diogo Pinheiro, primeiro bispo do Funchal, se encarregou. De qualquer
modo, logo em 1497, Manuel I criou
uma Mesa Conventual, da Ordem, para
gerência de seus bens». In José-Augusto França, Tomar, Thomar
Revisited, Editorial Presença, Lisboa, 1994, ISBN 972-23-1846-2.
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